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segunda-feira, 31 de março de 2008
Belluzzo sugere medidas para controlar demanda
Sergio Lamucci e Cibelle Bouças - Folha de S. Paulo - 31/3/2008
Preocupado com a rápida deterioração do saldo em conta corrente, o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, diz que chegou o momento de o governo tomar medidas para administrar o ritmo de crescimento da demanda. Além da valorização do câmbio, o forte encolhimento do superávit comercial se deve também à firme expansão da atividade econômica, que tem levado à explosão das importações.
Belluzzo sugere que o governo contenha seus gastos de custeio e adote medidas para controlar o ritmo de expansão do crédito. "Como aqui não é a China, o melhor é ter cuidado", afirma ele, deixando claro, porém, que um aumento dos juros não faz parte do seu receituário. "Seria a medida mais dolorosa e talvez a mais fácil, a mais óbvia."
No começo do mês, Belluzzo participou de uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da qual também tomaram parte o ex-ministro Antonio Delfim Netto, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles. Ele e Delfim manifestaram a preocupação com a piora acelerada do balanço de pagamentos no começo do ano.
Belluzzo diz que percebeu um Lula muito preocupado com os rumos da conta corrente, que inclui, além da balança comercial, a de serviços e as transferências unilaterais. Em 2007, o país teve superávit em conta corrente de US$ 1,5 bilhão, o equivalente a 0,1% do PIB. Para este ano, há quem preveja um rombo de US$ 20 bilhões, ou 1,5% do PIB.
"Lula tem medo da inflação, e quem teme a inflação tem medo de uma inversão na conta corrente." O risco para a inflação é o de que, em algum momento, uma deterioração acentuada do balanço de pagamentos leve a uma desvalorização abrupta do câmbio, o que teria efeitos sobre os índices de preços e certamente levaria o BC a puxar os juros com mais força.
"Quando ocorre com muita violência, a volta do câmbio é muito desagradável." Belluzzo, porém, não vê riscos inflacionários imediatos. O alvo de suas preocupações atuais é a saúde das contas externas.
Poucos dias depois da reunião, o governo anunciou algumas medidas para tentar impedir a valorização do câmbio, como a adoção de uma alíquota de 1,5% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para o capital estrangeiro que comprar títulos de renda fixa e a permissão para que os exportadores deixem toda a receita de suas vendas no exterior.
Para Belluzzo, as medidas estão na direção certa: "Elas deram o sinal de que o governo está disposto a enfrentar essa questão". Não seriam muito tímidas? "Acho que não. O ideal é atuar de modo progressivo. Depois da experiência que eu tive com o Plano Cruzado, eu sou contra medidas radicais. Eu me tornei um incrementalista."
Belluzzo diz que era esperada alguma valorização do câmbio nos últimos anos, num cenário em que os preços das exportações brasileiras foram muito beneficiados. A questão é que, com a liquidez global abundante, havia espaço para uma queda mais rápida dos juros, o que estreitaria o diferencial entre as taxas internas e externas.
"Essa não é uma crítica ideológica ao BC, mas uma crítica técnica. O Brasil perdeu o timing da administração da política monetária." A adoção do IOF pelo governo visa justamente limitar a entrada de capital especulativo e conter a apreciação do câmbio.
O dólar barato, porém, não é o único fator a explicar a forte deterioração da conta corrente, destaca ele. A robusta expansão da demanda doméstica, que cresce na casa de 7%, é fundamental para explicar a alta de 48,5% das importações ocorrida entre janeiro e a terceira semana de março.
"Há um crescimento muito grande da importação de bens de capital, o que é saudável, mas também há uma entrada violentíssima de bens de consumo importados."
Mesmo distante da ortodoxia econômica, Belluzzo diz que, num momento como o atual, cabe ao governo tomar medidas de administração de demanda. "O governo ingressou na fase das decisões difíceis. Todas elas têm inconvenientes", adverte, prescrevendo um receituário inesperado para um economista não ortodoxo.
"Eu vou dar uma opinião keynesiana bastante heterodoxa para os heterodoxos: o governo deveria de fato separar o orçamento de capital [onde ficam os investimentos] do orçamento de consumo, e ser muito rigoroso e cuidadoso com os seus gastos de custeio", diz ele, ressaltando, porém, que não se devem fazer cortes lineares de despesas. "Se não, você monta o projeto matemática zero e o projeto dengue."
Segundo o keynesiano Belluzzo, medidas de contenção de gastos como as que ele sugere não contrariam o pensamento de John Maynard Keynes.
"Keynes falava numa gestão racional da demanda. Isso implica que, quando há uma demanda muito acelerada, você não pode colocar mais fogo, fazendo com que o gasto de consumo cresça. O gasto do governo tem que ser anticíclico, não pró-cíclico."
Belluzzo também acha que é necessário tomar providências para reduzir o ritmo de expansão do crédito, uma das principais molas do consumo das famílias, que cresceu 6,5% em 2007.
O volume total de empréstimos e financiamentos aumentou 27,9% nos 12 meses terminados em fevereiro. "É necessário administrar isso aí. Nós não podemos fazer gracinhas, porque há bens que produzem o mal", diz, sugerindo que o governo use medidas como aumentar os requerimentos de capital dos bancos ou elevar o IOF sobre operações de crédito.
Um dos maiores problemas, segundo Belluzzo, é que pode haver uma deterioração muito rápida das contas externas, dependendo da diferença de velocidade de crescimento das exportações e das importações.
Para este ano, muitos analistas já prevêem um saldo comercial de US$ 20 bilhões, metade do registrado em 2007. O Brasil, lembra ele, está reagindo bem à crise americana, porque tem quase US$ 200 bilhões em reservas e uma situação ainda tranqüila no balanço de pagamentos.
"Muita gente diz que um déficit em conta corrente de 2%, 3% do PIB não tem importância, mas tem importância, sim, porque podem surgir problemas de financiamento. Quando você tem um déficit, a dificuldade de financiamento aumenta."
No governo Fernando Henrique Cardoso, o país chegou a ter um rombo de 4,3% do PIB, em 1999. Por conta desses temores, ele considera fundamental agir para evitar a valorização do câmbio e adotar medidas de administração da demanda.
Belluzzo não acha, porém, que seja o caso de o BC aumentar os juros. Ele não vê um quadro inflacionário complicado, e diz que as importações têm amortecido as pressões sobre os preços.
"Há uma certa pressão sobre os custos, mas por enquanto nada que preocupe muito. Eu não creio que haverá um choque inflacionário relevante. Se o balanço de pagamentos piorar lá na frente, aí sim."
Elevar a Selic também poderia acentuar a valorização do câmbio, ao incentivar a entrada de capitais interessados em aproveitar a diferença entre as taxas internas e externas.
E Belluzzo cita outro motivo para não elevar os juros: esperar os desdobramentos da crise externa. Se os preços das commodities caírem com força, por exemplo, pode haver uma tendência deflacionária global. "E você vai aumentar os juros num cenário em que há um risco como esse?"
A estratégia de Belluzzo tem como um dos pontos fundamentais a preservação do investimento, tanto que, ao recomendar medidas para administrar a demanda, defende a contenção dos gastos de custeio do governo e o controle do ritmo de expansão do crédito - além de rechaçar a elevação dos juros.
"O que eu quero é que o governo faça um exercício para deixar o investimento avançar e ser o carro-chefe do crescimento. Mas isso não se pode fazer com uma queda do consumo, para não desestimular o investimento", diz ele, reconhecendo que se trata de algo "fácil de falar, e difícil de fazer".
Belluzzo destaca ainda outra de suas grandes preocupações: a mudança na composição das exportações, "cada vez mais apoiadas em commodities e em bens de baixo valor agregado e baixa intensidade tecnológica".
"Isso já vem de algum tempo, e não é desejável para um país com o Brasil", opina ele, insistindo na importância de uma pauta exportadora que não se resuma à produção de commodities.
Belluzzo aproveita para elogiar as linhas gerais da política industrial, que deve ser anunciada em breve, e aponta na direção do fortalecimento de uma indústria diversificada. "As medidas são muito bem concebidas, e são compatíveis com o conjunto da obra."
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