sexta-feira, 28 de março de 2008



28 de março de 2008
N° 15554 - David Coimbra


Medo de raio

Estava instalado atrás da minha mesa na redação do Jornal da Manhã, em Criciúma, pensando nas sutilezas do ponto-e-vírgula, quando aquele casal de gordos entrou pela porta. Antes que alguma ONG protetora dos gordos se ourice, esclareço que estou apenas descrevendo os dois. Podia ser um casal de baixinhos, ou de alemães muito brancos, ou de magricelas.

Não era. Era de gordos. Não lembro da roupa do gordo, faz tempo isso, mas a gorda usava um vestido floreado. Tinha muitas flores no vestido da gorda, flores amarelas e tudo mais. Pararam defronte à mesa.

O gordo me estendeu uma mão gorda, apresentou-se como jornalista e disse que queria trabalhar. Coincidentemente, havia uma vaga de repórter, então combinei com o gordo de fazer um teste com ele durante alguns dias. A primeira pauta que lhe dei foi sobre raios.

Por algum motivo, caía um monte de raios em Criciúma, atingindo algumas pessoas, inclusive. O gordo saiu para fazer a matéria e, no fim da tarde, voltou chateado.

- Gostaria que essa matéria não saísse - miou.

Perguntei qual o motivo daquela estranha reivindicação, e ele respondeu que a mulher dele, a gorda, tinha muito medo de raio e, pelo que havia apurado, o bairro no qual moravam era justamente o mais atingido pelas descargas.

- Se ela ler essa matéria, vai querer sair de lá - alegou.

Olhei para ele por um momento e depois disse:

- Cara, faz a @%$¨&¨% da matéria.

Na manhã seguinte, cheguei ao jornal e a gorda estava lá, braba dentro do vestido floreado.

- Essa matéria dos raios! - ralhou.

Não dei bola. Fui trabalhar. Mais tarde, passei pela sala onde o gordo devia estar e vi a gorda sentada diante da máquina, escrevendinho. Chamei o gordo:

- Que que a tua mulher está fazendo?

- Está escrevendo a matéria.

Mal acreditei:

- Tu é quem tem que fazer a matéria!

Ele acedeu. Mas, no outro dia, entrei na redação e quem encontro sentada à máquina, batendo furiosamente nas teclas com seus dedos roliços? A gorda de vestido floreado. Levei o gordo para um canto:

- Meu, não pode isso de a tua mulher trabalhar por ti!

Ele concordou. Só que, um dia depois, lá estava a gorda com aquele vestido, escrevendo a matéria do gordo. Irritei-me. Peguei o gordo e:

- Por que é que tu não manda a tua mulher pra casa???

Ele torceu as mãos e ciciou:

- Porque lá cai raio...

Tive que dispensar o gordo. Nunca mais o vi, mas sempre lembro dele, quando saem os índices de desemprego no país. Porque hoje o problema do Brasil não é o desemprego. É a falta de qualificação dos candidatos a emprego.

Existem vagas, para quem está preparado, mas grande parte da população brasileira é composta por analfabetos funcionais, por gente que lê, mas não entende, por ignorantes de todos os quilates, que não sabem em que mundo vivem.

O velho problema: a Educação. Ou a falta de. Foi difícil preencher aquela vaguinha no Jornal da Manhã, não aparecia ninguém muito melhor do que o gordo. Deveria mesmo era ter contratado aquela mulher dele.

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