sexta-feira, 14 de março de 2008



A SALVAÇÃO DA FLORESTA


Um bom crítico deve ser construtivo e apresentar soluções para os problemas que aborda. Eu passei as minhas férias estudando saídas para a floresta Amazônica.

Finalmente, depois de abandonar a idéia de uma invasão internacional, para não ferir os nossos brios e não nos obrigar a uma reação armada que nos desviaria das competições esportivas, encontrei o plano ideal. Posso garantir que se trata de um projeto sustentável, rápido, eficaz e sem contra-indicações aparentes.

Sugiro que todas as árvores sejam preservadas sob a forma de móveis de luxo. Cada 'pau' abatido será eternizado como um armário, uma mesa ou uma biblioteca na casa de um burguês europeu ou norte-americano.

Com as árvores menos nobres, essas que não passam nos rigorosos testes de qualidade dos nossos melhores contrabandistas, podemos atender aos consumidores brasileiros, a exemplo do que já fazemos com o café, os sapatos e ainda outros produtos de exportação.

O mesmo procedimento poderá ser adotado em relação à fauna. Cada animal abatido será empalhado e guardado em laboratórios e museus do mundo inteiro.

Assim, graças a essa concepção generosa e duradoura, a floresta e os seus elementos passarão a existir em todos os lugares, não apenas em um, o que possibilitará menos tráfego aéreo na zona devastada. Sem contar que estará para sempre solucionado o terrível problema das espécies em extinção.

Quando todas as ararinhas-azuis estiverem empalhadas, não haverá mais necessidade de proteger a imensa região em que costumam habitar sob a vigilância de um oneroso exército de dois ou três fiscais do Ibama.

Até o Ibama poderá ser extinto. Haverá economia em concursos, em salários e até em possibilidade de corrupção. Admitam que é um plano perfeito, uma obra-prima de prevenção. Outro ganho será a aculturação definitiva de todos esses índios que permanecem à margem da civilização ocidental.

Haverá uma extraordinária criação de empregos para empalhadores, empregados de madeireiras, carpinteiros, marceneiros e até antropólogos. Os economistas certamente percebem nessa idéia uma inspiração keynesiana.

O número de fiscais do Ibama já é tão pequeno que o desaparecimento desses postos será facilmente compensado por outros de acordo com as novas funções exigidas, entre as quais os lustradores de móveis.

Além disso, com a eliminação da floresta, os mosquitos terão menos abrigos e os traficantes de drogas serão mais facilmente percebidos ao atravessarem certas fronteiras, o que permitirá devolver aos quartéis parte do efetivo, onde esses homens poderão jogar mortal combate em paz ou, caso prefiram, dominó ou paciência.

O principal benefício, contudo, será para os cineastas e os produtores de vídeos.

É fácil entender esse último ponto. Antes da destruição completa da selva, algo que, com eficiência e esmero, poderá ser feito em menos de 50 anos, será necessário filmar a totalidade dos modos de vida dos 'seres' da floresta.

Milhares de cineastas, talvez milhões, serão patrocinados pela Petrobras, graças a leis de incentivo ampliadas, para imortalizar o modus vivendi de índios, minhocas, macacos, plantas e até de tribos nunca antes contatadas pelos brancos.

O cinema brasileiro só terá a ganhar. Enquanto todos estiverem filmando cobras, jacarés, larvas e papagaios, não haverá filmes com Selton Mello, Luis Fernando Guimarães e Pedro Cardoso.

juremir@correiodopovo.com.br

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