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segunda-feira, 17 de março de 2008
17 de março de 2008
N° 15543 - Luis Fernando Verissimo
Percepção
No outro dia fizeram um encontro meu com o Abel Braga, treinador do Internacional, e descobrimos uma coincidência.
O primeiro jogo que ele viu no Maracanã, ainda garoto, ao lado do pai, foi o último que eu vi, já nada garoto, perto de me casar. Santos e Milan, novembro de 1963. Até então eu não perdia jogo do Botafogo, da seleção ou do Santos no Maracanã.
Pegava o ônibus Leme-Triagem, atravessava a pé a Quinta da Boa Vista e ia para a arquibancada. Sim, o Santos jogava suas partidas decisivas no Maracanã. O Maracanã enchia para ver o Pelé. Mas no jogo que o Abel, eu e uma multidão vimos o Pelé não jogou. O herói da noite foi o Almir. O Pelé da noite foi o Almir.
Volta e meia, vem a discussão. Pelé era mesmo tudo que se diz dele? Meu testemunho (era) não interessa. Ele reinou quando já havia video-tape. Seus feitos estão bem documentados.
Você não precisa recorrer à literatura para contar às crianças como era o seu futebol. Ao contrário das façanhas de gente como Ademir e Zizinho, que ficaram na memória dos velhos e em filmes desbotados, nenhuma das duas coisas muito confiáveis. E o grande mérito de Pele é que ele resiste ao video-tape completo.
Se tivesse ficado só em filme, só os seus grandes momentos estariam registrados. Já o video-tape completo traz tudo: o passe errado, o tombo sentado, a chuteira desamarrada. E Pelé resiste aos detalhes. Ele era bom até amarrando a chuteira.
Com o futebol aconteceu um pouco do que aconteceu com a guerra: quanto mais realista a sua reprodução, mais difícil romanceá-la.
Quando só se via cenas de guerra em quadros épicos em que até os cadáveres colaboravam na composição, ela podia ser glorificada sem contestações, salvo as estéticas. Fora as gravuras de Goya, não se conhece um quadro sobre a guerra, antes da invenção da fotografia, que não a exaltasse.
A fotografia primitiva roubou da guerra a cor e a proporção e acrescentou a sujeira, o filme dinamizou o horror e o tape fez zoom no detalhe. Ainda há quem ame a guerra mas nunca mais a percepção dela foi a mesma.
No futebol, além da dificuldade em julgar jogadores antigos pelas precárias imagens que ficaram deles e pelo que contam - com o inevitável toque épico do exagero - os que os viram jogar, há outras questões que complicam as comparações.
Esquemas diferentes, preparo físico, etc. Algumas das grandes reputações do passado sobreviveriam aos cinco no meio e à marcação no campo todo de hoje? Pelé pegou o começo do futebol sem espaço.
Não só se impôs como deixou o exemplo de como sobreviver no sufoco. A extrema objetividade (nunca se viu um drible do Pelé apenas pela satisfação do drible, era sempre um espaço conquistado) , a antecipação da jogada seguinte antes mesmo da jogada presente começar, a solidariedade, a simplicidade. Pelé só não dá a receita porque gênio não tem fórmula.
Há dias, voltei ao Maracanã. Não havia jogo, era para tirar umas fotos. Tentei evocar aquela noite de 1963, eu naquela idade. Não deu. O Maracanã vazio e silencioso na minha frente era um abismo de 45 anos. Intransponível.
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