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quarta-feira, 26 de março de 2008
26 de março de 2008 | N° 15552
Martha Medeiros
Jogo de cena
O novo documentário de Eduardo Coutinho, Jogo de Cena, merece ser visto por inúmeros motivos.
Primeiro, é um show de humanidade. Na tela, uma seqüência de depoimentos de mulheres anônimas de todas as gerações e classes sociais. Elas contam seus dramas particulares como se estivessem numa sessão de psicanálise.
São dramas parecidos com os de todo mundo: relações complicadas com filhos, separações conjugais, sonhos que foram adiados, superações, o enfrentamento da morte, mas cada uma dessas histórias torna-se única pelo foco, pelo close, pela atenção que somos convidados a dar para cada uma dessas desconhecidas: atenção que quase não damos a mais ninguém aqui fora.
O pulo-do-gato da obra é que esses depoimentos são intercalados pela aparição de atrizes famosas que interpretam essas mulheres anônimas, repetindo o mesmo texto.
Marília Pêra, Fernanda Torres e Andréa Beltrão aceitaram o desafio, e aí vem o instigante do filme: não chegaram lá, apesar de toda a tarimba que possuem. Os depoimentos verdadeiros dão um baile nos depoimentos encenados.
Fica evidente que ninguém consegue reproduzir uma emoção verdadeira, a não ser que não seja confrontado com a referência que o inspirou, ou seja: essas atrizes dão vida a personagens fictícios em novelas e peças de teatro com total competência, a gente até acredita que seus personagens existam, mas quando eles existem mesmo e são confrontados com a interpretação que recebem, a interpretação é desmascarada como tal.
É incrível ver a reação das atrizes diante do resultado, elas ficam desestabilizadas por não conseguirem dramatizar com naturalidade aquilo que não é arte roteirizada, e sim vida real.
E é nessa desestabilização que as atrizes também mostram sua faceta mais humana - e acabam por participar do documentário com depoimentos delas mesmas. Aí funciona.
Enfim, é um jogo de espelhos fascinante.
Por fim, mas não menos importante, todas as mulheres que aparecem no filme, por mais que tenham vidas sofridas - e como têm! - não perdem sua graça.
No auge de seus depoimentos dilacerantes, surge uma ou outra frase que faz a platéia gargalhar, porque todas elas conseguem, em algum momento de sua narrativa, buscar algo que atenua o drama, que alivia a pressão, que relativiza o que está sendo contado.
Não importa que elas não sejam grandes intelectuais: são inteligentes em sua postura de vida, sabem que até do sofrimento é possível arrancar um sorriso.
Fiquei orgulhosa delas e de todas as mulheres que, mesmo mergulhadas em dor, não perdem a noção de que a vida é apenas uma breve passagem e merece ser curtida com esperança e sem reverência extrema. No final das contas, ficou claro que a tal alegria brasileira é mesmo redentora.
Hoje Dia Internacional do Sofá, aproveite e que tenhamos todos, uma excelente quarta-feira.
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