quarta-feira, 19 de março de 2008



19 de março de 2008
N° 15545 - Martha Medeiros


Furor tibetano

Semana passada, para explicar a uma amiga certas alterações do meu estado de espírito, fiz uma analogia: disse a ela que me sentia como se tivesse vivido durante muitos anos no Tibete e de repente tivessem me transferido para o Timor Leste.

Ela riu do contraste. Até dias atrás, quando alguém mencionava o Tibete, estava sugerindo um local de absoluta paz, perfeito para meditação, introspecção, suavidade.

Tibete, para mim, sempre foi sinônimo de calmaria, felicidade plena, compreensão mútua, dias longos, as montanhas em total comunhão com os seres humanos, enfim, um lugar hipoteticamente paradisíaco - não fosse o tédio e a facilidade de se pegar no sono.

Pois o Tibete está nas páginas de todos os jornais não por causa desse astral onírico e antiestresse, mas pelos conflitos e protestos dos tibetanos contra a dominação chinesa em Lhasa, a capital que virou mais um centro nervoso do mundo, o que, aparentemente, está em total contradição com os dogmas budistas.

Quem conhece bem a história tumultuada do Tibete sabe que essa ilusão de ele ser um país transcendental é apenas isso, uma ilusão - mas quem de nós não precisa de uma ilusãozinha de que a paz sobrevive em algum lugar?

Quando vi as imagens de monges chutando vidraças e atirando pedras em edifícios públicos, pensei: o mundo acabou mesmo. Monges tomados pela raiva! Revoltados! Agindo como estudantes da UNE em 1968! Como dói o desfacelamento de um estereótipo.

Mais uma vez um clichê se confirma: nada é o que parece ser. Nossa irritante mania de rotular tudo e todos impede que a gente enxergue o óbvio: pessoas calmas explodem, pessoas egoístas podem ser generosas, pessoas inteligentes fazem burradas, pessoas inexperientes acertam, pessoas chiques agem de modo horroroso, pessoas idosas têm muita energia - vai depender da situação.

Quando me perguntam se sou corajosa, respondo: corajosa para o quê? Para viajar sozinha, para entrar numa favela à noite, para brigar pelas minhas idéias, para matar uma lagartixa?

Sou corajosa e medrosa, varia conforme a circunstância. Você, por exemplo, é uma pessoa alegre? Depende onde e quando: alegre pra missa de sétimo dia, alegre pra feriado na praia, alegre pra reconhecer firma em cartório, alegre pra aumento de salário?

Ninguém corresponde 100% a um rótulo. Vale para todos os adjetivos e todos os pronomes pessoais: eu, tu, ele, nós, vós e eles, os tibetanos, esses odaras que também perdem a cabeça quando estão em jogo seus ideais.

Ainda que com chuva, conforme previsão que você pode conferir aí a esquerda no Blogger, que tenhamos todos uma ótima quarta-feira Santa.

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