segunda-feira, 17 de março de 2008



TRAIU OU NÃO TRAIU? (A PROVA)

Não traiu. Mas devia ter traído. Foi Capitu quem, num momento em que a vida do casal era 'doce e plácida', chamou a atenção do marido para a semelhança entre o filho Ezequiel e Escobar: 'Você já reparou que Ezequiel tem nos olhos uma expressão esquisita? (...) Só vi duas pessoas assim, um amigo do papai e o defunto Escobar'.

E mandou o filho virar-se para que Bentinho pudesse comprovar o que estava dizendo. Só existem duas alternativas: ou Capitu era fria, calculista, interesseira e manipuladora, como pensam os seus detratores e o próprio Bentinho, e não cometeria esse erro primário de se denunciar.

Ou não era tão calculista, apenas apaixonada, o que parece ser a verdade descrita pelo livro, e também não cometeria esse erro por medo ou por culpa. Nenhuma mulher esperta, que tivesse mesmo traído, provocaria a onça com uma vara curta desse jeito.

Salvo se quisesse provocar ou humilhar o marido. Mas o contexto de felicidade do momento não justificava isso. Resta imaginar que fosse uma jogada radical e audaciosa de dissimulação. Também não havia motivo, pois quando agiu assim não pairava qualquer suspeita sobre ela. Era o tal período de vida 'doce e plácida'.

Por fim, pode-se pensar que fosse apenas um deslize produzido pelo excesso de confiança. Uma mulher que tivesse traído e fosse tão manipuladora e calculista não se descuidaria dessa forma. Se não fosse calculista, não baixaria a guarda por medo; logo, nunca teria excesso de confiança. Capitu não traiu.

Se tivesse traído, essa passagem citada tornaria a personagem totalmente inverossímil. Resta explicar a semelhança entre Ezequiel e Escobar? O próprio Bentinho admite que, um tanto levianamente, chegou a ver semelhança física entre um retrato de uma mulher e Capitu, sem que houvesse qualquer parentesco entre elas.

Bentinho era canalha. Julgava os outros pelas suas fraquezas e inseguranças. Tentou envenenar o filho ainda criança com uma xícara de chá. Desejou abertamente a mulher de Escobar.

Este, ex-seminarista, não se perturbou quando se especulou sobre um casamento futuro entre a sua filhinha e o pequeno Ezequiel, ambos tão amigos quanto Capitu e Bentinho haviam sido na infância. A perspectiva de um incesto teria, no mínimo, provocado um sinal de preocupação no rosto de um pai com passado religioso.

Nada. Além disso, Escobar nomeou Bentinho seu segundo testamenteiro e deixou-lhe uma carta cheia de estima. Teria feito isso por cinismo ou arrependimento, ele que se afogou no dia seguinte ao anunciar que tinha projetos para o futuro? Outra prova de que Capitu não traiu é a desconfiança tardia de um palerma como Bentinho.

Capitu morreu degredada na Suíça. Ezequiel faleceu perto de Jerusalém. Veio ver Bentinho, que só confirmou as suas suspeitas, mas impediu que o rapaz se encontrasse com a velha Justina, a única em condições de perceber a semelhança com Escobar.

Temia ser desmascarado. Bentinho cita Otelo, que matou a mulher inocente, afirmando que não tinha lido ou visto o drama antes da sua própria tragédia.

É dizer que a sua também é uma história de ciúme, que faz ver coisas, até mesmo uma semelhança física extrema que ninguém de fora notou, não de adultério.

Admite que José Dias, se vivo, teria visto em Ezequiel a cara dele, Bentinho. O agregado era bajulador. Na boa, Bentinho adoraria ter tido um filho como Escobar. Capitu não traiu. Mas devia. Ah, um teste de DNA!

juremir@correiodopovo.com.br

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