sábado, 15 de março de 2008



15 de março de 2008
N° 15541 Cláudia Laitano


Livros que não lemos

Em Se um Viajante numa Noite de Inverno, o escritor italiano Italo Calvino propõe uma série de categorias heterodoxas em que os volumes poderiam ser classificados nas prateleiras de uma livraria imaginária: livros que você pode passar sem ler, livros que você leria voluntariamente se tivesse várias vidas para viver mas infelizmente são só estes os dias que lhe restam, livros que você tem a intenção de ler mas seria necessário primeiro ler outros, livros que tratam exatamente do assunto que o interessa neste momento, livros caros demais que pretende comprar quando baixarem à metade do preço.

A brincadeira é divertida. Basta olhar para a prateleira de casa que você imediatamente começa a inventar suas próprias categorias: livros que você pretende ler na aposentadoria ou em caso de prisão domiciliar, livros que apareceram na sua casa sabe deus como, livros que estão francamente além das suas chinelas intelectuais mas você não perde a esperança, livros que alguém lhe deu sem nenhum motivo apenas porque achou que você iria gostar (e tem gesto mais doce do que esse?).

A lista não tem fim, talvez porque as leituras e os leitores, muito mais do que os livros, são infinitos e virtualmente inclassificáveis.

Pois um livro lançado no Brasil no início do ano chama a atenção por sugerir um sistema de classificação literária em que a categoria mais óbvia de todas, lidos e não lidos, é tratada como uma distinção artificial e dispensável.

Em Como Falar dos Livros que Não Lemos?, o professor de literatura francês Pierre Bayard sugere que os livros se dividem, essencialmente, entre os desconhecidos (LD), categoria que supera largamente todas as outras, os que apenas folheamos (LF), os que ouvimos falar (LO) e os que esquecemos (LE).

O título divertido lembra uma versão adulta para aqueles manuais de literatura para vestibulandos que prometem, ainda que nem sempre explicitamente, fazer o guri passar na prova sem que ele tenha que dar se ao trabalho de ler mais do que o resuminho da obra. Trata se de um título enganador mas não duvido que muito gaiato tenha caído na armadilha.

Embora seu objetivo explícito seja dessacralizar a leitura, o livro não dá nenhuma dica para quem pretende impressionar a audiência mostrando erudição. O que o livro tenta mostrar é que não ler nem sempre significa ser totalmente alheio ao conteúdo de um livro.

O autor propõe que existem diversas formas de "não leitura" do sujeito que não tem o menor interesse pelas letrinhas ao leitor diligente e compulsivo, que, mesmo lendo muita coisa, está condenado a permanecer com a pilha de livros LD superando todas as outras.

Se os méritos da prática universal da não leitura não costumam ser mais exaltados, defende o autor, é porque pouca gente, no cada vez mais reduzido mundo letrado, tem coragem para admitir que fala, e às vezes até escreve, sobre livros que nunca leu.

A tese, obviamente polêmica, pode ser entendida como um elogio à preguiça, um convite à leitura de orelhas e resenhas no fim, todo o esforço de consumir livros estaria condenado a ser uma gota em um oceano de possibilidades.

Mas essa seria uma leitura cínica e superficial. Mostrando como é possível falar de livros sem tê los lido (na universidade, na mesa de bar e até diante do próprio escritor) resta um único motivo, genuíno e insubstituível, para dedicar tempo e paixão à leitura: a vontade de ler.

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