sábado, 29 de março de 2008



30 de março de 2008
N° 15556 - Paulo Sant'ana


S h e

Em homenagem a Charles Aznavour, que nos visita nos próximos dias em Porto Alegre, fiz esta coluna com o título de "She", uma das suas mais célebres músicas.

Ele é um cantor extraordinário, em quem eu sempre baseei minha atuação como jornalista, isto é, na emoção.

É impossível deixar de sentir vibrar as cordas emocionais do corpo, do coração e do espírito assistindo ao Charles Aznavour.

Esta é a coluna que eu fiz em sua homenagem:

Ela. Sabe secretamente o que eu sei também em segredo: nós fomos feitos um para o outro e construiríamos juntos o único sentido para a vida.

Ela passa e confessa no olhar a nossa conspiração de felicidade.

Ela sabe como eu sei que esses instantes vazios da vida estariam sempre repletos de ventura, mesmo os que se constituíssem apenas em silêncio, se tivéssemos coragem.

Ela. Passa e deixa que eu adivinhe seu perfume, o mesmo dos caminhos floridos que percorreríamos sempre que desconfiássemos que íamos ficar tristes.

Ela passa e diz no olhar que seu pensamento é fixo em mim durante todas as horas do dia, até o instante do adormecer, porque tem certeza que durante toda a minha vigília o meu pensamento não se afasta nunca dela e sonha com a possibilidade remota e quase impossível do nosso encontro.

Ela. Tem consciência do imenso desperdício da nossa distância inexplicável e cultiva como eu o passatempo de enumerar todos os obstáculos intransponíveis que nos separam, sabendo-os até úteis para que esse amor se perenize pela impossibilidade. Uma forma de amar, talvez a mais bela forma de amar, é o amor impossível.

Ela. Sempre se mostrou sensível às minhas dores e nunca deixou que transparecessem as dores dela, sabemos que todas desapareceriam se simplesmente decidíssemos virar a mesa e apostar em nós dois, até mesmo porque nada mais importa que não seja nós.

Ela. Passam os dias e resistem em passar as noites e ela permanece inquebrantável, com um pensamento e um destino só, atados ao meu pelo mistério do pressentimento.

Ela sabe como eu que a única forma de tornar digna e gloriosa a vida é sonhar com esta hipótese animada de esperança.

Ela. Sabe como eu que o mundo só teve até agora uma utilidade: a de que nós dois percebêssemos que todos os valores que cercam a vida só se tornariam reais e prósperos se fossem afirmados pela permanência da nossa proximidade.

Ali vai ela, impossível mas verdadeira. Aqui fico eu, irresolvido mas cônscio da radical solução. Ela.

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