sábado, 22 de março de 2008



22 de março de 2008
N° 15548 - Ricardo Silvestrin


Tudo já foi feito?

Uma das máximas da arte de vanguarda é que chegaram ao limite disso ou daquilo. Ao limite da linguagem, ao limite da representação, ao limite da narrativa.

Esse comportamento muito comum até o final dos anos 60, se olhado em retrospectiva, é um dos charmes da época. O que ocorreu depois disso tudo é que as artes continuaram, ou seja, os limites são muito mais amplos do que se supunha.

A reação a essa obrigatoriedade da invenção vem com a arte de 70 pra cá, com outra máxima: tudo já foi feito. O que desobriga o artista de ficar fuçando uma novidade, daí o remix, a releitura, a referência. Mas essa é também uma frase de efeito, um charme da época atual. Isso porque é impossível que tudo já tenha sido feito.

Há ainda muito por fazer. Sempre vai haver. Enquanto houver uma nova pessoa há grandes chances de haver uma nova descoberta no campo estético.

A linguagem também é veículo de uma visão de mundo.

E a cada nova geração, ou a cada nova pessoa original que surge no pedaço, a linguagem ganha novos coloridos e, quando menos se espera, ela se reinventa. Falo de linguagem no sentido de conjunto de procedimentos artísticos nas diversas artes. Na pior das hipóteses, como cantou Lulu Santos, "se tudo já foi feito / então vamos fazer tudo outra vez".

Mas por mais iludida que tenha sido a busca das vanguardas, acreditando ter atingido os limites, a postura de se colocar o desafio de fazer algo próprio, diferente em algum aspecto do que se conhecia até então, acabou alargando as possibilidades humanas de pensar e realizar as diversas artes.

É o que se pode constatar na leitura do livro Experiência Neoconcreta, do Ferreira Gullar. Ele conta sua trajetória como poeta de vanguarda.

Foi procurado pelos concretistas no início do movimento da poesia concreta. Os irmãos Campos e Décio Pignatari já haviam farejado a novidade na poesia de Gullar. Juntos, formularam o que seria o pontapé inicial do que trouxe muita novidade para a poesia do mundo todo.

A seguir, Gullar, por discordar de alguns dos pontos programáticos dos concretistas, cria com outros poetas e artistas plásticos o Movimento Neoconcreto. Livro-poema, um poema que sozinho é um livro. Poemas interativos muito antes desse ambiente internético. Caixas que o leitor deve ir abrindo e lendo-descobrindo o sentido.

Poema enterrado, uma sala em que o leitor entra para ler o poema. Cortes nas páginas para propor uma determinada leitura. E uma série de propostas criativas que foram insights também para os artistas plásticos do grupo, como Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Tanto que Gullar acabou se questionando se não estava sendo menos poeta e mais artista plástico, uma vez que seus poemas tinham cada vez menos palavras, às vezes uma só. O bom desse livro é que Ferreira Gullar conta e reflete sobre o período com os olhos de hoje.

E a publicação traz também os textos, manifestos e formulações da época, além de reproduções de vários poemas, inclusive de poemas-livros. Concreto, neoconcreto ou apenas poeta, é sempre o grande artista Ferreira Gullar.

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