quinta-feira, 20 de março de 2008



20 de março de 2008
N° 15546 - Nilson Souza


A música da vida

Dona Ana é um show. Já a tinha visto dirigindo o seu fusquinha no Fantástico, mas esta semana tive o prazer de ouvi-la numa entrevista mais demorada, no rádio. Fiquei encantado.

Ela falou de sua vida, de seu trabalho voluntário e de seus planos para o futuro. E passou tanta energia, tanta vibração positiva, tanta sinceridade e tanta ternura na sua fala que tive vontade de aplaudi-la, mesmo estando sozinho dentro do meu carro e com as duas mãos no volante.

Aplaudi com o coração e com um misto de lágrimas e risos que brotaram espontâneos. Dona Ana Variani é uma fenômeno comovente.

Ela tem 97 anos, mora em Bento Gonçalves e pretende renovar a sua carteira de habilitação no mês que vem. Dirige diariamente o seu fusquinha 74, num trajeto entre sua casa e o Lar do Ancião, para o qual dá assistência social gratuita.

Lá estão hospedados cerca de 60 idosos, todos mais jovens do que ela. Mas dona Ana, com o seu metro e meio de altura e uma disposição incomum, movimenta-se entre os velhinhos, dá comida na boca para uma vovozinha, conversa com outra e deixa no ambiente o perfume de seu vigor quase centenário.

Parece um personagem de filme, uma espécie de gnomo do bem, capaz de apaziguar o mundo com o toque de sua mão trêmula e manchada pela passagem do século.

É uma mulher solidária, mas também determinada na busca de seus objetivos. Agora mesmo, resiste bravamente ao desejo do filho de afastá-la da direção do carro - com o compreensível propósito de preservá-la dos riscos de um trânsito cada vez mais agressivo e perigoso. Os argumentos de dona Ana, porém, são irrefutáveis:

- Dirigir é o meu único prazer. E eu ainda tenho boa vista e estou no meu juízo.

Mais juízo é impossível. De tão ajuizada, foi transformada em garota-propaganda da prefeitura de sua cidade natal, a qual promove com desenvoltura.

No início do mês, foi homenageada pelo governo do Estado com o Troféu Ana Terra, em reconhecimento ao seu trabalho social e comunitário. Nada mais adequado.

Dona Ana - forte, corajosa, capaz de suportar privações e de reconstruir vidas - poderia muito bem ser uma daquelas mulheres extraordinárias da literatura de Erico Verissimo.

Outro dia, vendo uma entrevista de Oscar Niemeyer, centenário e lúcido, falando sobre sua extensa obra e seus projetos atuais, fiquei pensando: "Bom mesmo é o arquiteto que o criou".

Agora, vendo e ouvindo dona Ana falar de sua vidinha simples, de sua obra maravilhosa e de seus planos futuros, ouso parafrasear o reconhecido projetista para fazer o fechamento deste comentário: "A vida talvez seja mesmo apenas um sopro, mas algumas pessoas conseguem transformá-lo numa bela música".

Uma ótima quinta-feira Santa para todos nós ainda que com temperatura super elevada por aqui, conforme pode-se ver aí a esquerda na Previsão do tempo

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