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quarta-feira, 19 de março de 2008
19 de março de 2008
N° 15545 - David Coimbra
O fino que satisfaz
Tinha um magrão que era meu vizinho. Ao menos acho que era, sempre o via ali por perto de onde eu morava. Um magrão mesmo, não é forma de dizer. O cara era muito alto e magro, podia receber o apelido de um amigo meu lá do IAPI, o "Chanceller".
É que Chanceller era uma marca de cigarro anunciada pela propaganda como "o fino que satisfaz". Então, esse magrão meu vizinho, eu não sabia o nome dele, mas o apelidei de Chanceller.
Nunca conversei com o Chanceller. Digo conversa, conversa de verdade. Na primeira vez que entramos em contato, eu estava indo para o jornal no início da tarde e o vi parado na esquina. Ele olhava para os lados, meio distraído, até que se virou na minha direção e, já a uns 10 metros de distância, perguntou:
- Que horas é o jogo do Grêmio?
Fiquei um pouco desconcertado, porque o Grêmio não jogava naquele dia, só no seguinte. Pensei alguns segundos e respondi que o jogo seria às 21h45min, ele fez sinal de positivo e segui caminho. Vinte e quatro horas depois, saí para ir trabalhar e com quem deparo na esquina?
Isso, o Chanceller. Ainda de pé, o olhar ainda vago, passeando pelas cercanias, como se não houvesse se mexido dali. Quando me viu, gritou:
- Que horas é o jogo do Grêmio? Esqueceu-se, pensei. E repeti:
- Quinze pras dez! Ele fez sinal de positivo.
O Grêmio jogou. Não lembro qual foi o resultado, mas, no outro dia, o Chanceller continuava na esquina. Percebi que ele me avistou e imaginei que ia fazer algum comentário sobre a partida. Não. Apenas perguntou:
- Que horas é o jogo do Grêmio?
Fiquei inquieto com aquilo. De novo a mesma pergunta? Bem. Supus que ele se referia ao jogo de domingo. Informei:
- Quatro da tarde.
Ele fez sinal de positivo.
Passaram-se uns três ou quatro dias sem que visse o Chanceller ou pensasse nele. Até porque fui de carro para o jornal. Na primeira oportunidade em que fui a pé, bitz, lá estava o Chanceller na esquina, olhando para um lado, para outro, até me enxergar e:
- Que horas é o jogo do Grêmio?
Cara, aquilo me deixou aborrecido. Por que aquele magrão ficava me perguntando que horas seria o jogo do Grêmio? Por que só fazia a mesma pergunta? Será que estava me gozando?
Ou era um tipo que pretendia ser simpático e não tinha muita imaginação para puxar conversa? Por via das dúvidas, informei o horário do jogo.
Os dias, as semanas, os meses se passaram e sempre que encontrava o Chanceller ele me perguntava:
- Que horas é o jogo do Grêmio?
Sempre, sem variação, nenhuma outra palavra, nem a mais, nem a menos. Apenas:
- Que horas é o jogo do Grêmio?
Aquele troço realmente estava me irritando. Por que aquele @$%¨&*@! daquele magrão só me perguntava pela *&¨%$@ da hora do jogo do Grêmio??? Por que ele estava sempre parado naquela $@%$&¨**@! daquela esquina???
Por que não falava mais nada??? Por que aquele filho de uma @!$%$&*! não procurava o horário do jogo do Grêmio no jornal ou ouvia na rádio???
Será que ele não pensava em mais nada, só na hora do jogo do Grêmio??? Sempre que horas é o jogo do Grêmio, que horas é o jogo do Grêmio, que horas é o jogo do Grêmio!
Decidi que aquela história iria mudar. Eu não iria mais dizer qual era a hora do jogo do Grêmio! Ou, melhor, iria dar o horário errado! Isso mesmo! Iria dar a informação completamente errada e ele iria perder a hora do jogo do Grêmio!!!
Tomada a deliberação, passei a ansiar pelo meu próximo encontro com o Chanceller. Saía todos os dias a pé de casa, passava pela esquina, mas ele, como se adivinhasse minha intenção, não aparecia.
Até que um dia o vi. Era uma sexta-feira, lembro bem. O Grêmio jogaria no domingo, 16h. Sorri para mim mesmo ao enxergá-lo. Apressei o passo. Ele olhava para um lado, para outro, distraidão, como sempre. Finalmente me viu. E, lógico:
- Que horas é o jogo do Grêmio? Eu:
- Dezoito horas!
Ele entesou. Parou na minha frente, obstruindo-me o caminho. Pôs as mãos na cintura.
- Que horas??? - berrou, furioso. - Que horas é o jogo do Grêmio??? QUE HORAS É O JOGO DO GRÊMIO???
Estava uma fera. Arregalei os olhos, surpreso e, confesso, um pouco assustado. Balbuciei:
- Ahn... Dezesseis horas.
Então ele suspirou, sorriu, deu um passo para o lado e saiu da minha frente. Fez o sinal de positivo, enfim, e eu me fui, o mais rápido que pude, sem olhar para trás.
Um dia alguém vai ter que me explicar o que era aquilo.
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