quarta-feira, 26 de março de 2008



26 de março de 2008
N° 15552 - David Coimbra


Não me venha com Peixe Vivo!

A música preferida de Juscelino Kubitschek era "Peixe Vivo".

Como pode um peixe vivo

Viver fora, viver fora, viver fora d´água fria?

Como poderei viver

Sem a sua, sem a sua, sem a sua companhia?

E o homem é considerado um dos mais importantes presidentes do Brasil. Por favor! Uma pessoa até pode achar engraçadinha a Peixe Vivo, mas tê-la como referência musical é abobadice irremediável. Que seja pagode, que seja sertaneja! Peixe Vivo, não.

Só que não acredito nisso de JK ter gostado de Peixe Vivo. Não pode ser. Ele pretendia era desmentir sua educação universitária, ele que era médico. Pretendia ressaltar o quanto era popular, o quanto era mineiramente caipira, o quanto era povo, matuto, como o eleitor.

Conseguiu.

Já o maior dos nossos presidentes, Getúlio Vargas, morreu de pijama listrado. Tudo bem, qualquer pessoa pode ser surpreendida pela morte quando estiver na cama, enfiada distraidamente em seu pijama listrado. Não foi o caso.

Getúlio escolheu a hora de morrer. Meteu uma bala calibre 32 no coração e, antes de fazê-lo, redigiu uma extensa carta-testamento, de estilo criterioso, bem revisada, cheia de frases de efeito. Uma morte premeditada, portanto.

Por que, então, o homem escolheu um pijama listrado como traje derradeiro? Poderia, Getúlio, ter acatado o conselho de um conterrâneo ilustre, o senador Pinheiro Machado, antepassado dos meus amigos Ivan e Zé Antônio PMs. O senador ensinava:

- Use sempre roupas de baixo de seda. Assim, se a morte o colher de inopino, você será um cadáver composto.

De fato, Pinheiro Machado foi morto à traição por Manso de Paiva, e vestia elegantes cuecas de seda.

Getúlio também poderia morrer de gravata-borboleta e cartola, como caberia ao maior estadista brasileiro de todos os tempos, que foi. Ou poderia morrer pilchado, como caberia ao gaúcho de São Borja, que era.

Nada disso. Quis morrer de pijama. Listrado.

O que significaria o pijama? Pois Getúlio não faria nada sem significação, na hora desse último e dramático gesto. Pois bem: Getúlio queria mostrar-se humano. O homem injustiçado, que, frente a todas as pressões, escolhia sair da vida para entrar na história. Getúlio queria que o povo sentisse pena dele, tão velhinho, tão frágil e ao mesmo tempo tão abnegado em seu pijaminha.

Conseguiu.

Isso é que é: os hábitos dizem muito de um homem. Por isso, desconfio de jogadores que usam medalhão, brinco, pulseira, chuteira fúcsia, tranças nas madeixas. Esses me deixam ressabiado. Só que esses, hoje, são todos.

Lei maldita

O que aconteceu com o futebol brasileiro nos últimos 10 anos?

Em primeiríssimo lugar: os grandes times acabaram. O último grande time montado no Brasil, o Santos de 2002, nem grande time era; era um time ótimo com um único jogador de exceção, Robinho.

O segundo lugar é a causa do primeiro: a expatriação relâmpago dos bons jogadores. Pato ficou seis meses no Inter; Anderson e Lucas, um ano no Grêmio. Os piratas europeus vêm, escolhem um jogador como se o levantassem da prateleira e levam quando querem, deixando esmolas, quando deixam.

Terceiro lugar: os tradicionais clubes do Interior entraram em processo de extinção, feito pássaros dodôs. Sem o recurso da venda de jogadores, os clubes estão perdendo espaço para entidades patrocinadas por empresas, faculdades ou empresários que fundam times para servir de criatórios de jogadores, com fins comerciais.

Em resumo, o futebol brasileiro perdeu a graça nos últimos 10 anos. Dez anos da nefanda Lei Pelé.

O Potter e as panturrilhas

Meu amigo L. Potter, do Pretinho Básico, é um apreciador de panturrilhas. Examinando uma panturrilha, ele é capaz de desvendar a alma de uma mulher. Já vi o Potter olhar para uma panturrilha e mandar:

- Tu tens uma grande desilusão na vida.

E a mulher desaba ali mesmo, aos prantos.

Eu aqui prefiro o conjunto das pernas, de um extremo a outro, dos tornozelos macios, bem ao Sul, passando pelas curvas suaves que levam ao setentrião limítrofe da bochecha das nádegas.

Mas confesso que o que me deixa mais perturbado é a parte interna das coxas, não sei como aquilo se chama. Uma parte interna das coxas lisa e reluzente, ah, uma boa parte interna das coxas me dá vontade de chorar.

Acho também que uma crase bem colocada tem a sua beleza, enquanto o Boró, aqui do jornal, suspira ao deparar com um ponto-e-vírgula assestado com autoridade.

O finado Dener achava mais bonito um drible do que um gol, e imagino que Garrincha também. Já eu, apraz-me ver um lançamento perfeito.

Sessenta metros, como fazia o grande Rivellino, ou um passe macio, malicioso, pelas frestas da zaga, como sabe fazer o Roger. Tem sido bom de ver o Roger jogar.

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