sábado, 8 de dezembro de 2007


Ponto de vista: Claudio de Moura Castro

Guerras simbólicas

"Há baronatos ideológicos que se digladiam

com obstinação. Examinemos um caso presente: educadores versus economistas"

Os livros de história estão abarrotados de guerras entre impérios. E há as guerras puramente simbólicas, como o choque entre o mundo ocidental e os muçulmanos, sugerido por Samuel Huntington. Mas há também pequenos baronatos ideológicos que se digladiam com obstinação.

Examinemos um caso presente: educadores versus economistas. Tenho participado de inúmeras conferências de educadores em que borbulham sempre as acusações ao neoliberalismo e outras palavras do mesmo naipe (como FMI, Banco Mundial etc.).

Além das erupções tupiniquins, já ouvi isso na Argentina, na Colômbia, no Chile e até na Inglaterra. Aliás, "neoliberalismo" é puro xingamento, pois ninguém se classifica como neoliberalista.

Vejamos as colisões no caso brasileiro, cujas origens já têm quase meio século. Antes disso, os educadores (de múltiplas origens profissionais) eram donos da educação e falavam de pedagogia.

Na década de 60, os economistas ganharam visibilidade, sobretudo os do Ipea, pregando idéias tão heréticas quanto calcular custos do ensino, avaliar, medir a eficiência das escolas e estimar taxas de retorno do investimento, como se educação fosse uma fábrica de pregos.

Enfim, tudo quantificado e medido. Pior, passaram a elaborar os orçamentos do MEC, tentando alocar recursos de acordo com princípios de eficiência.

Provocaram a ira incontida e diuturna dos pedagogos puros-sangues, pois essas heresias colidem com as visões do "homem integral", do "saber pedagógico", da primazia do "afeto", e reivindicações de um monopólio de tudo o que tem a ver com educação e escolas.

Mais tarde, apareceram as teorias construtivistas engalanadas em linguagem hermética e os slogans em prol de um ensino puramente artesanal. Muitas vezes, vem tudo mesclado ao marxismo e flertando com Gramsci.

Ilustração Atômica Studio

Eis os exércitos simbólicos dos dois baronatos. Quem terá razão? A revolução científica, iniciada por Francis Bacon, desembocou na ciência contemporânea tradicional.

Segundo essa linha, mais cedo ou mais tarde é preciso consultar o mundo real para ver se a observação empírica conflita com a teoria. Ou seja, a sobrevida da elaboração teórica está condicionada à sua aderência ao que se observa coletando sistematicamente dados, números e fatos. Se falha o teste da realidade, a teoria vai para o "paredón".

O novo credo é "educação baseada em evidência". Portanto, a ciência contemporânea é teórico-empírica. Desdenha quem não demonstra com dados as suas teorias. Porém, muitos educadores (não todos!) rejeitam os avanços das medidas quantitativas.

Em vez de tentarem mostrar os limites dos números, que existem, refugiaram-se em formulações que se bastam na elaboração de teorias. Reagem com adjetivos ("neoliberal"), e não com ciência moderna.

Persistem os economistas com seus números. Na companhia de alguns educadores, quantificam o conhecimento, criam testes, avaliam a eficiência das escolas, publicam os seus "rankings", pregam a concorrência entre elas e propõem prêmios para os melhores. Avaliam também os procedimentos de sala de aula e a eficiência dos materiais didáticos.

Resolve-se tudo com amostras aleatórias e testes estatísticos. A julgar pelo que acontece no mundo e mesmo no Brasil, ganha terreno a visão teórico-empírica, sempre acompanhada de números, mesmo dentro de ministérios com sabores de esquerda.

Na França, o último reduto de muitos educadores, o ministro declara que todos os pais receberão os escores de seus filhos em testes padronizados. Ganha vigência a percepção de que a sociedade tem o direito de saber a quantas anda a educação.

No ardor das batalhas, os economistas exageram, medem sem entender o que está sendo medido e subestimam o peso do que não admite números. Educadores perdem a oportunidade de mostrar as falhas de certas pesquisas quantitativas. Ademais, não basta mostrar números.

É preciso ir além e oferecer explicações, entender o porquê do encadeamento de causas e efeitos, complementando com boas análises qualitativas o que dizem os números.

Em vez de gastar energia perseguindo moinhos de vento, seria melhor concentrar os esforços para melhorar a educação. Perdem todos. Sobretudo, os alunos.

Claudio de Moura Castro é economista - Claudio&Moura&Castro@attglobal.net

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