segunda-feira, 31 de dezembro de 2007



31/12/2007 e 01/01/2008
N° 15465 Liberato Vieira da Cunha


Balanço de Ano Bom

No ano que findou, não compus uma sinfonia, não pintei uma tela, não construí um romance, não esculpi uma estátua, não criei uma peça teatral. Estranhamente, contudo, não me sinto arrependido.

Pois minha sinfonia seria dissonante. Minha tela seria abstrata. Meu romance não teria nem começo, nem meio, nem fim. Minha estátua seria o reverso de sua imagem. Minha peça dispensaria atores.

Mas, de novo estranhamente, não me sinto arrependido, pois, neste outro palco em que atuo, desempenhei papéis de que me orgulho.

Numa época em que o medo é a mais constante companhia das pessoas, soube sustentar um traço de coragem. Não, não enfrentei nenhum grande exército. Apenas fui valente o bastante para encarar os pequenos desafios que a vida nos apronta todos os dias.

Fui sonhador. Numa era em que estamos todos tão sitiados pela realidade, aprendi a evadir-me do cárcere do cotidiano. Não, não imergi no devaneio. Apenas fui ousado o suficiente para moldar o cenário segundo o perfil de minhas utopias sobrantes.

Fui sincero. Num tempo em que é moeda corrente a mentira, ou a fuga, disse sempre o que pensei. Não, não fui deseducado. Apenas fui franco e preciso para desenhar a verdade contra a moldura da ficção.

Talvez tudo isso não seja muito. Talvez não seja nada.

Mas estou pensando agora no dezembro em que conquistei o canudo da universidade. Estou lembrando o janeiro em que comprei o meu primeiro carro. Estou voltando ao setembro de meu vôo inaugural à Europa.

Estou me dando conta de que vai ver que compor uma sinfonia, pintar uma tela, construir um romance, esculpir uma estátua, criar uma peça não sejam assim tão relevantes.

Mais importante quem sabe seja mostrar-me guapo, sonhador, sincero.

Pois somos feitos de ilusão e argila. A arte de viver consiste não em viver muito, mas em viver segundo nossa natureza e nossa inclinação.

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