quinta-feira, 20 de dezembro de 2007



20 de dezembro de 2007
N° 15454 - Nilson Souza


Brinquedo que não tem

Descobri outro dia que Papai Noel é meu vizinho e tem dois enormes cães são-bernardos, um mais preguiçoso do que o outro. Passo seguidamente pela frente de sua casa.

De vez em quando, cruzo com ele pelas ruas do bairro. Dirige um carro comum - e não uma carruagem com renas - , mas é inconfundível por causa da longa barba e também porque gosta de se vestir de vermelho, mesmo quando usa camisas sem mangas.

Meu simpático vizinho é um Papai Noel de shopping e deve estar trabalhando muito por estes dias. Um trabalho nada fácil: além de passar o dia posando para fotos com crianças inquietas e assustadas sobre os joelhos, seguidamente ele é solicitado a fazer o papel de fiscal de chupetas e mesmo de psiquiatra infantil.

Se já é doloroso confiscar o bico de um baixinho relutante, deve ser demolidor quando ele pergunta a alguma criança o que ela vai querer de presente de Natal e ouve uma resposta que já se tornou rotineira nos tempos modernos:

- Quero que meu pai volte pra casa!

De acordo com o IBGE, o número de casamentos vem aumentando no país, mas as separações também são mais numerosas e mais rápidas. Um ou dois anos já são suficientes para alguns recém-casados perceberem que não foram feitos um para o outro.

Daí a quantidade cada vez maior de crianças que ainda acreditam em Papai Noel e já sofreram a primeira grande desilusão familiar, vendo os pais saírem um para cada lado à procura de novos rumos. Sem saber a quem apelar, elas recorrem ao velhinho de barbas brancas que, no alto do seu trono, provavelmente lhes parece muito poderoso. Como ele sai dessa?

- Com psicologia! - contou-me certa vez.

E me disse que muda o rumo da prosa, distrai a criança com outro assunto, sem precisar dizer a ela que a varinha mágica da reconciliação não foi colocada no seu saco de presentes. É bem mais fácil trocar pirulito por chupetas, as quais finge colocar no cesto dos bicos abandonados e devolve furtivamente para as mães, pensando em possíveis recaídas.

Sei que meu vizinho Papai Noel é vendedor de carros entre um Natal e outro. Trabalha, portanto, com brinquedo de gente grande.

Daí, talvez, venha o seu conhecimento intuitivo para lidar com os sonhos e desejos de seus clientes, sejam eles motoristas ansiosos por pilotar uma máquina reluzente ou crianças ingênuas que lhe pedem presentes impossíveis como a recomposição de um casamento desfeito.

Um bom vendedor jamais diz que a mercadoria não existe. Diz apenas que está em falta.

Excelente quinta-feira com muito sol por aqui, lá fora e aqui dentro.

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