sexta-feira, 21 de dezembro de 2007



VIAGEM AO BRASIL

Lucien Sfez, professor da Sorbonne, Paris I, passou quatro meses no Brasil como visitante no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS. Veio com uma bolsa da Capes para intelectuais de altíssimo nível.

Autor de ao menos três obras de referência, 'Crítica da Comunicação', 'A Saúde Perfeita' e 'Técnica e Ideologia', ele espalhou, nessa temporada brasileira, o seu saber – vasto e bem organizado – em Santa Maria, Porto Alegre (onde palestrou também na Ufrgs), Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Natal.

Na última semana, foi conhecer Florianópolis. Conversamos muito. Homem de idéias e erudição, em muito me lembrou meu amigo Décio Freitas. Até no gosto que pegou por passear na Feira do Livro.

Sfez deixará saudades. Raras vezes um visitante assumiu com tanta seriedade o seu papel de professor. Criticou, analisou, discutiu, polemizou e deixou marcas.

Contou-nos belas histórias do mundo universitário francês e do tempo em que presidiu o Conselho Nacional do Audiovisual do seu país, durante o governo de François Mitterrand.

Freqüentou boa parte dos melhores restaurantes da capital gaúcha. Tirou as suas conclusões muitas vezes divertidas sobre nossa sensibilidade, provocando choques culturais, e sobre os nossos hábitos alimentares.

Segundo ele, não suportamos críticas frontais e adoramos colocar queijo quente em cima de tudo. Qualquer prato em restaurante de Porto Alegre que se pretenda sofisticado deve ser coberto com uma densa camada de queijo. Feito um arqueólogo, cada um precisa retirar essa cobertura para encontrar a comida sob essa dimensão que, muitas vezes, lembra o concreto.

Vários restaurantes, porém, conquistaram o nosso visitante francês sem papas na língua, entre os quais o japonês Sakura, o Koh Pee Pee, o Gambrinus, o Barranco e o Copacabana.

O italiano da avenida Venâncio Aires foi o único que, embora não o tenha convencido nos molhos, ofereceu-lhe massas realmente al dente.

Bom cozinheiro, Sfez preparou-nos um espaguete al dente de cair o queijo. Tornou-se habitué do Gambrinus aos sábados ao meio-dia. O Barranco, depois de algumas hesitações, serviu-lhe excelentes picanhas sangrando. Por toda parte, tudo lhe parecia excessivamente passado.

Os restaurantes das adjacências da Padre Chagas o seduziram pela elegância e pelo charme. O Rio Grande do Sul impressionou-o positivamente pelo hábito da pontualidade e da seriedade nos compromissos. Tivemos um observador atento e severo.

Ao chegar, no mês de agosto, Sfez pegou uma gripe e padeceu com o frio. O nosso inverno quase o derrubou. Foi uma surpresa para ele o fato de que nossos prédios não são aquecidos como tudo na Europa.

Temi que não resistisse e fosse embora. Ficou uma semana trancado no quarto do hotel, curando a gripe, com o ar-condicionado a mil. Percebeu rapidamente os nossos mitos e modismos, em relação aos quais não poupou ironias.

Também não lhe escapou a apatia da população diante da desigualdade social acachapante. Estou convencido de que acertou em quase tudo o que disse sobre a nossa cultura sinuosa. Um aspecto, no entanto, poderá colocar sob suspeita todos os seus julgamentos tão objetivos e cristalinos.

Apaixonou-se por uma única marca de vinho gaúcho, preferindo-a aos vinhos chilenos e argentinos, contrariando indicações de bebedores 'sofisticados'. Só queria beber Marcus James.

juremir@correiodopovo.com.br

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