sábado, 22 de dezembro de 2007



23 de dezembro de 2007
N° 15457 - Moacyr Scliar


A celebração do Menino

O principal significado do Natal é a celebração da infância

O Natal é uma festa de múltiplos significados; destes, particularmente comovente é a celebração da infância, de uma infância que começa sob o signo da pobreza, do desamparo, da perseguição.

O nascimento de Jesus soma o dramático ao glorioso e exalta a figura do Menino. Que, aliás, está presente nas três grandes religiões monoteístas, judaísmo, cristianismo e islamismo. As três nasceram no Oriente Médio, as três têm muito em comum.

Há, assim, uma correspondência entre Jesus, Moisés e Ismael (de quem, segundo a tradição, descendem os povos árabes). Nos três casos estamos falando de crianças cuja própria vida foi ameaçada, mas que sobreviveram para mudar o rumo da humanidade.

Comecemos por Ismael, o mais antigo. Seu nascimento ocorreu de maneira curiosa e muito significativa dos costumes daquela região. Diz a Bíblia que Sara, mulher do patriarca Abraão, não tinha filhos, mas queria um.

Assim, propôs ao marido que tivesse relações com sua serva, Hagar. O filho que de Hagar nasceria, segundo a tradição, pertenceria a Sara. Hagar de fato teve um filho, Ismael, mas anos depois a já idosa Sara, surpreendentemente, deu à luz a Isaac.

O conflito sobre quem seria o herdeiro do patriarca era inevitável, e Sara pediu ao marido que expulsasse Hagar e Ismael. Abraão relutava, mas, diz a Bíblia, Deus lhe garantiu que tomaria conta de Ismael.

Mãe e filho foram para o deserto e estavam quase morrendo de sede quando - cumpria-se a promessa do Senhor - um anjo apareceu e conduziu-os para uma fonte de água pura.

A trajetória de Moisés e de Jesus é mais rica em incidentes. Quando Moisés nasceu, os hebreus eram escravos no Egito, um grupo étnico cujo crescimento demográfico preocupava o faraó. Este então ordenou que todos os recém-nascidos hebreus fossem mortos pelas parteiras.

A mãe de Moisés, porém, como outras mães, deu à luz ao menino evitando o auxílio da parteira, o que, contudo, não eliminava o risco; de modo que ela colocou a criança num cestinho que pôs a flutuar no Nilo de onde, diz a história, recolheu-o a filha do faraó.

A geração de crianças da qual Jesus era parte também estava condenada, porque o rei Herodes tinha decretado a morte de todos os meninos com menos de dois anos nascidos nos arredores de Belém; a explicação para isto era a profecia segundo a qual um desses meninos, ao crescer, arrebataria a Herodes o título de rei dos judeus.

Como Moisés, Jesus nasceu em condições precárias; num caso o primeiro berço foi o cestinho no rio, no outro a manjedoura. José, Maria e o bebê fugiram de Herodes - para onde? Para o Egito, onde Moisés tinha nascido.

Moisés foi criado como um príncipe e príncipe poderia ter permanecido, mas o destino conduziu-o de volta a seu povo, que ele acabou por liderar. Jesus, que, ainda criança, assombrou os anciãos no templo de Jerusalém, poderia igualmente integrar o establishment religioso, quem sabe tornando-se um sacerdote.

Mas tanto Moisés como Jesus eram revolucionários. Ambos optaram por conduzir o povo humilde rumo a novos destinos:

a Terra Prometida no caso de Moisés, uma nova forma de professar a religião no caso de Jesus (e Ismael tornou-se profeta).

Jesus foi martirizado, Moisés morreu sem chegar à Terra Prometida: não é raro que isso aconteça àqueles que, pela generosidade, sacrificam-se por um projeto transcendente, grandioso, redentor.

Nesse dia de Natal lembremos a Jesus e lembremos a todos aqueles que o precederam e o seguiram. E lembremos, sobretudo, que de seu sonho surgiu um mundo melhor.

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