sexta-feira, 28 de dezembro de 2007



CÚPULA DA VIRADA

Os encontros de cúpula me fascinam. Não posso me impedir de imaginá-los e de descrevê-los. Adoro ver os poderosos deste mundo brincando como se estivessem numa colônia de férias em Tramandaí.

Dão-se tapinhas nas costas, contam piadas sem graça, fazem caretas e chegam até, para desespero dos embaixadores, a fazer embaixadinhas ridículas quando encontram uma bola pela frente. Se sobrar, eles chutam mesmo.

Na hora da foto de família, feito crianças levadas e egocêntricas, acotovelam-se, empurram-se e fazem tudo para ter o melhor lugar. De vez em quando, brigam e um manda o outro calar a boca. Depois, ficam meses emburrados e ameaçando-se com represálias nefastas e dignas de um desenho animado.

Vejo Lulla, Evo Morales, Hugo Chávez, Fidel Castro e Cristina Kirchner reunidos em La Paz, a 3.660 metros de altitude, para comemorar a virada do ano.

A expressão francesa para encontro de cúpula é rencontre au sommet. Nada mais justo, portanto, do que escolher um lugar alto para esse tipo de reunião em que se decide tanta baixaria para o bem geral das nações. O ideal seria o cume.

Todos os encontros de cúpula deveriam acontecer no Everest, no Aconcágua, no Pico da Neblina ou em qualquer lugar que tirasse um pouco do fôlego dos nossos líderes para novos mandatos.

Ou, ao menos, para conversa fiada e declarações bombásticas e com pouco oxigênio. Como o presidente brasileiro, no entanto, é um homem de metáforas e de enxergar longe, o cume para ele é mesmo o Planalto.

Fiquemos, porém, com La Paz. Afinal, é um nome evocativo e adequado para a entrada de 2008. Lulla queria convidar Bush para a festa. Chávez vetou. Segundo ele, Bush e La Paz não combinam. Despeitado, o americano teria respondido, sem ligar para o politicamente correto, que não gosta de programa de índio.

Na chegada ao local da grande virada, Fidel Castro, de retorno ao campo da luta, ainda vestindo o seu abrigo de convalescente, revelou os seus desejos e resoluções para o novo ano: 'Farei uma revolução', disse.

E completou em portunhol para a imprensa brasileira: 'Serei fidel como sempre'. Lulla aproveitou para brincar: 'Eu serei um fiel de primeira ao Corinthians na segunda e darei mais ouvidos à minha mulher no resto da semana.

Vou seguir o regime indicado por ela'. A senhora Kirchner, num arroubo de modéstia, luluzinha perua no clube do bolinha, certamente confusa com o português descontraído do presidente brasileiro, informou que dará ouvidos ao marido e também seguirá o regime, econômico e político, indicado por ele.

O anfitrião Evo Morales baixou o tom. Pediu união e estabilidade. Prometeu conversar muito com os seus vizinhos e ouvi-los antes de qualquer medida capaz de afetar o equilíbrio das relações na América do Sul.

Garantiu, como sempre faz em relação a qualquer situação, que em 2008 o entendimento dos povos sul-americanos ganhará um novo gás. A Bolívia, assegurou, estará aberta a novos investimentos seguros e de longa duração.

Chávez foi contundente. Pegou a contramão e afirmou que em 2008 procurará ser ouvido por todos. Depois dos discursos e dos brindes da meia-noite, dormiram até tarde. Passaram o 1º de janeiro jogando canastra e rouba-monte.

A festa terminou quando Chávez, seguido por Evo, tentou mudar as regras do jogo. Lulla achou interessante, mas hesitou. Fidel alegou que jamais mudaria. Cristina Kirchner aceitaria se isso lhe permitisse dar calote na banca.

juremir@correiodopovo.com.br

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