quinta-feira, 20 de dezembro de 2007



20 de dezembro de 2007
N° 15454 - Luiz Pilla Vares


Um século de cultura

O brasileiro não se leva muito a sério. Não sei se isto é uma qualidade ou um defeito. Mas aceitamos sem discutir, por exemplo, o estereótipo de que somos "o país do futebol e do Carnaval". É claro que somos "o país do futebol".

Em qualquer lugar do mundo, nos pobres países africanos, no Iraque devastado pela guerra, nas cidades asiáticas, na velha e orgulhosa Europa, se alguém se identifica como brasileiro, ouve sempre a resposta simpática: "Pelé" ou, atualmente "Ronaldinho", "Kaká". Aqui se pratica sem dúvida alguma o melhor futebol do mundo. É claro também que somos o "país do Carnaval".

O show das escolas de samba do Rio de Janeiro deslumbra o mundo inteiro, e os turistas voltam embasbacados com a beleza, a musicalidade e a sensualidade dos desfiles. Dizem que no Carnaval espontâneo de Salvador, na Bahia, ninguém resiste ao ritmo frenético dos trios elétricos.

Mas o Brasil não é apenas isso. Nos últimos cem anos, mostramos ao mundo uma cultura própria pujante e criadora. Para ficar apenas no campo das artes, o fim do século 19 revela um dos maiores escritores do planeta:

o incrível Machado de Assis. Depois, muito depois, Guimarães Rosa. No teatro, revelamos o talento ao mesmo tempo debochado e amargo de Nelson Rodrigues.

A música atravessou fronteiras com Villa Lobos, Tom Jobim, Caetano e Chico Buarque. A poesia deu Drummond. O cinema arrebatou as mais exigentes platéias mundo afora com o Cinema Novo e, particularmente, com o gênio de Glauber Rocha.

As artes plásticas mostram mestres universais, como Di Cavalcanti, Portinari, Scliar, Iberê Camargo. Sim, além do futebol e do Carnaval, no complexo mundo da estética, o Brasil deu uma imensa contribuição, enraizada, inovadora, construiu linguagens surpreendentes e originais.

No sábado passado, completou cem anos, um século de vida, uma das personagens mais importantes deste ciclo: o grande arquiteto Oscar Niemeyer, que se tornou uma figura central no mundo planetário da arquitetura, com suas formas ousadas e revolucionárias.

Ele, sem dúvida, é merecedor de todas as homenagens que recebeu pela passagem de seu centenário, mas foi modesto ao extremo, uma modéstia de acordo com seu gênio e de sua coerência como cidadão, comunista até hoje, participante das lutas de seu tempo.

Não acho despropositada a comparação que se faz entre ele e Picasso. Com um só quadro, Demoiselles dAvignon, Picasso derrubou anos e anos de pintura.

Com sua arte, suas curvas, seus traços sinuosos, Niemeyer trouxe a sensualidade brasileira para a arquitetura e realizou a mais profunda revolução modernista, tornando a paisagem urbana muito mais bela e prazerosa.

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