segunda-feira, 31 de dezembro de 2007



31/12/2007 e 01/01/2008
N° 15465 - Cláudio Moreno


A ilusão da esperança

Os gregos acreditavam que, num passado remotíssimo, quando ainda não havia mulheres neste mundo, os homens levavam uma vida de abundância e despreocupação (é bom frisar que a história é contada por Hesíodo, o primeiro e mais radical autor misógino do Ocidente).

Esses bem-aventurados passavam incontáveis anos numa eterna primavera, sem conhecer a dor, a doença, o ódio ou a inveja - até que um dia, sem sofrimento algum, adormeciam para nunca mais acordar. Foi a chegada de Pandora, uma espécie de Eva criada pelo Olimpo, que veio alterar para sempre a vida naquele paraíso.

Para o rabugento Hesíodo, tudo não passava de uma vingança de Zeus, furioso porque os homens tinham recebido de Prometeu o segredo de acender o fogo; outros, mais filosóficos, acreditavam que os deuses estavam apenas entediados e, para se divertir, mandaram a mulher para acabar de uma vez por todas com a monotonia reinante aqui na terra.

Todas as versões concordam, no entanto, quanto ao que ocorreu depois: Pandora passou a viver com o irmão de Prometeu, que a recebeu como uma verdadeira dádiva divina e se tornou o primeiro marido apaixonado da História.

Foram felizes por muitos meses, até que, finalmente, Hermes, o mensageiro dos deuses, veio deixar na porta deles a caixa fatídica que mudaria para sempre o destino da humanidade.

A caixa tinha a tampa pesadamente lacrada com cera. "Peço que vocês a guardem até que eu venha buscá-la", havia dito Hermes, encarecendo que não a abrissem em hipótese alguma.

Ali estava a armadilha: sem que eles suspeitassem, Zeus tinha reunido ali dentro todos os males que o mundo ainda desconhecia - o Medo, o Sofrimento, o Trabalho, o Frio, a Fome, entre muitos outros - , esperando que a curiosidade de Pandora vencesse a prudência.

Não demorou muito; atraída pelo misterioso zumbido que saía da caixa, ela aproveitou um descuido do marido e levantou a tampa um pouquinho - só o suficiente para ver, afinal, o que estava ali dentro.

Foi o que bastou para que os males saíssem pela fresta como um enxame de zangões furiosos, que cobriram Pandora e o marido de ferroadas insuportáveis. Súbito, uma vozinha suave chamou de dentro da caixa: era a simpática Esperança, a única que tinha ficado, para nos confortar.

Este consolo que ela nos traz ajuda a esconder o fato evidente de que ela também estava dentro da caixa - e era, talvez, o agente mais perverso da vingança de Zeus.

Se ela tomar conta de meu espírito, vai fazer com que eu, diante das promessas sempre generosas do futuro, esqueça a alegria de viver plenamente o presente, que passa a ser provisório e sem graça, transformando-me num daqueles que, como disse Sêneca, "perdem os seus dias pensando na noite, e suas noites pensando na aurora".

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