quarta-feira, 26 de dezembro de 2007



26 de dezembro de 2007 | N° 15460
Diana Corso


O neto de Sherlock Holmes

Sou hipocondríaca o suficiente para emprestar.

Uso meus parcos conhecimentos de medicina para diagnósticos estapafúrdios: dor de cabeça em criança é meningite, em adultos é AVC, espinha é câncer de pele, todo sintoma é grave, toda doença é letal. Por isso recorro aos médicos, figuras encarnadas do salvador, que possuem recursos para prevenir e remediar o mal temido.

Nós, os hipocondríacos, somos uma grande família, o que torna natural que nossos salvadores virem personagens literárias, vide o Dr. House, da série televisiva que leva seu nome (no Brasil, pode ser vista no Universal Channel ou na locadora mais próxima).

Gregory House é um médico controverso, realiza as investigações médicas com a mesma sagacidade de Sherlock Holmes, com quem compartilha também a pouca sociabilidade, a misoginia e a toxicomania (Holmes era viciado em cocaína, House em analgésicos).

A ele são destinados os casos enigmáticos, que ataca com racionalidade infatigável e uma fúria transgressiva, ousando quebrar protocolos, testar substâncias em humanos, enganar superiores e parentes.

Analisando dados, ele constitui hipóteses, planos de tratamento, cujo sucesso funciona como prova do crime, assim como o fracasso é indício de que a investigação deve prosseguir. Sherlock por Sherlock, o que muda é o assassino: o culpado agora é o corpo.

O crime é sintoma de uma doença social. Quando um assassinato ocorre, quanto mais chocante, mais nos questionaremos sobre que tipo de grupo social constituímos.

Já a doença pode ser coletiva, causada por uma epidemia, um problema ambiental, mas na maior parte das vezes é um sintoma individual, e a sobrevivência pessoal é a que mais nos interessa.

Por isso, precisamos de um herói médico cujo enfrentamento com a morte seja um duelo, questão de honra, que não possua outra razão de viver do que salvar a nossa vida.

Sherlock Holmes foi criado no final do século 19 pelo oftalmologista Arthur Conan Doyle, que assumidamente inspirou-se em seu professor de medicina, Dr. Joseph Bell, conhecido por seus brilhantes diagnósticos. O famoso detetive inglês utilizava-se dos mesmos raciocínios da semiologia médica para desvelar crimes e mistérios.

Pouco mais de um século depois, a pedido do público, o Dr. House volta a essas origens, mas com um acréscimo fundamental: ele sofre dores constantes, manca e usa uma bengala, seqüelas de uma doença mal diagnosticada.

É por isso também um intratável, agressivo e avesso ao contato pessoal, que afoga suas mágoas em whisky e opiáceos. Enfim, ele padece de corpo e alma.

A história do paciente que foi, define o tipo de médico que se tornou: além de usar seu brilhantismo para denunciar a incompetência dos outros profissionais, ele conhece por dentro a dor e o medo, elementos intrínsecos da doença. House é médico e paciente ao mesmo tempo, ele também é um de nós.

Por isso, para o novo ano, desejo saúde para dar e vender, ou, em caso de azar, que encontremos alguém que compreenda nosso sofrimento.

Para os que notarem minha ausência: volto a este espaço em março!

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