quinta-feira, 27 de dezembro de 2007



27 de dezembro de 2007
N° 15461 - Nilson Souza


O novo espelho de Narciso

Os cartunistas são cruéis e mais certeiros do que os mestres da acupuntura, pois costumam espetar os seus grafites nos pontos mais sensíveis da vaidade humana.

Uma vez vi um cartum em que o personagem caricaturado acabara de escrever o seu primeiro livro, depois de anos de trabalho, e exclamava exultante: - Agora vou ficar famoso!

Atrás dele, apareciam várias estantes com milhares de livros, escritos por milhões de autores igualmente condenados ao anonimato eterno.

Quando a televisão estava no auge (ainda está?), o artista norte-americano Andy Warhol prognosticou que no futuro todos teríamos 15 minutos de fama. O futuro daquela previsão já chegou. E trouxe outras ferramentas para a carpintaria da notoriedade, ofício ao alcance de todos.

A moda, agora, é o blog, que permite a qualquer pessoa expor suas preferências, suas imagens e suas idéias para o mundo. Talvez não garanta a fama imaginada pelo humorista, mas possibilita algum reconhecimento - o que, de certa forma, satisfaz a inquietude por celebridade.

O blog, que já tem 10 anos com esta denominação, é o novo espelho de Narciso da parcela da humanidade que acessa computadores.

Surgiu como um espaço para os internautas colocarem as sugestões dos endereços de internet que costumavam visitar, mas logo se transformou num canal propício à divulgação de causas absolutamente pessoais.

Hoje todo mundo é blogueiro e tem alguma coisa para dizer ou para mostrar. Pouco importa para essa gente que as estantes do mundo virtual também pareçam cheias.

Aonde vai dar tudo isto? É difícil saber. Outro dia uma companheira de caminhada me chamou a atenção para o aumento do estresse da vida moderna, lembrando que as múltiplas opções tecnológicas parecem estar elevando o grau de ansiedade das pessoas.

Ela me perguntou se eu utilizava e-mails. Diante da resposta positiva, disse que para os adolescentes isso já é coisa antiga. Eles só querem saber de comunicação instantânea, com respostas imediatas.

Esperar que alguém responda a um e-mail, diante da perspectiva de que o destinatário nem esteja conectado, seria para eles o equivalente a aguardar uma carta de papel pelo correio. Os jovens não têm mais paciência para isso.

Habitantes do futuro, somos assim, então: queremos nos expressar, queremos mostrar ao mundo quem somos, o que fazemos, como somos brilhantes.

E temos pressa, muita pressa. A tecnologia abreviou as distâncias, mas não consegue deter o inexorável relógio do tempo. E o tempo, matreiro, continua armando ciladas para os incautos.

Foi nessa armadilha que caiu Narciso, embriagado de vaidade.

Com temporais e chuvas intermitentes que tenhamos todos, ainda assim, uma ótima quinta-feira, esta que é o penúltimo dia útil de 2007.

Nenhum comentário: