sábado, 29 de dezembro de 2007



30 de dezembro de 2007
N° 15464 - Luis Fernando Verissimo


O futuro do passado

Mesmo que o Papa não morra e a Xuxa não case, os videntes mantêm sua reputação e são consultados a cada ano novo sobre o que o futuro nos reserva

Não sou bom em retrospectivas. Esqueço o que aconteceu de importante no ano e quando me lembro fico na dúvida: foi neste ano mesmo ou no ano passado? Não consigo citar nem um bom filme que vi, o que dirá os 10 melhores.

A única maneira de fazer minha retrospectiva do ano é ficar esperando que os outros façam as suas, para me lembrar do que houve. Mas aí já acabou o ano e não dá mais tempo para fazer a minha.

Mais fácil e seguro é, em vez de retrospectivas, fazer prognósticos. Especular sobre o que vai acontecer para ser incluído nas retrospectivas do ano que vem. Você pode prever o que quiser.

Até hoje, ninguém no Brasil foi cobrado por fazer previsões erradas. Mesmo que o papa não morra e a Xuxa não case, os videntes mantêm sua reputação e são consultados a cada ano novo sobre o que o futuro nos reserva. É uma profissão à prova de desmentidos.

É verdade que se todas as previsões feitas no passado sobre como seria a vida hoje dessem certo, cada um de nós teria um helicóptero - ou coisa parecida - na garagem, e para viagens mais longas só usaríamos aviões supersônicos.

Os Volkswagens voadores não vieram, para não falar nas megalópoles super-organizadas com calçadas rolantes num mundo em paz permanente e sem pragas, mas o Concorde parecia ser um sinal de que pelo menos parte da visão se cumpriria, mesmo com atraso.

Era um protótipo que, com o tempo, se aperfeiçoaria e se democratizaria. Seus defeitos eram desculpáveis, tratando-se de um protótipo.

Fora as críticas irrelevantes (sim, querida, o caviar é Beluga, mas com a granulação errada), o pior que se dizia de uma viagem no estreito Concorde, com suas poltronas apertadas, era parecido com o que aquele inglês disse do ato sexual: o prazer é fugaz e a posição é ridícula.

Tudo isso seria corrigido com o tempo, inclusive seu maior defeito, o preço das passagens, só acessível a quem distingue o grão do caviar. Mas o Concorde acabou antes de poder ficar viável.

E o que se chora não é o fim de uma máquina muito cara e talvez desnecessária, mas de um sonho: o que a vida poderia ser se todas as possibilidades abertas pela ciência e a tecnologia depois da I Guerra Mundial tivessem dado em outro mundo.

As idílicas previsões dos anos 1920 e 1930 pressupunham um progresso da natureza humana comparável ao da sua técnica. Não aconteceu. No fim, o que a gente mais sente falta do passado é o futuro que ele previa.

O Concorde podia ser só uma extravagância feita para você poder almoçar em Paris e almoçar de novo em Nova York. Acabou como símbolo do fim prematuro de um século que só ficou na imaginação.

Mas, enfim, o futuro previsto no passado não incluía uma palavra, uma pista, uma sugestão que fosse (fora, talvez, o rádio de pulso do Dick Tracy) da grande revolução que viria e ninguém sabia, a da informática. Quer dizer, já era um futuro obsoleto.

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