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sábado, 15 de dezembro de 2007
16 de dezembro de 2007
N° 15450 - Moacyr Scliar
Mas o que é, afinal, felicidade?
O que é ser feliz? A pergunta que, desde a antigüidade clássica, nunca deixou de ser formulada, constitui-se em um desafio
A historinha é antiga, bem conhecida, e foi recontada por ninguém menos que o grande Italo Calvino. Havia um rei poderoso que de súbito foi acometido de profunda melancolia. Os médicos que o atendiam chegaram à conclusão de que, para melhorar, o soberano deveria vestir a camisa de um homem feliz.
Emissários foram, portanto, despachados em busca do homem feliz, mas não conseguiam encontrá-lo: ninguém, no reino, se declarava feliz.
Finalmente encontraram um jovem lavrador que, de torso nu, arava a terra e que deu uma resposta afirmativa à indagação: sim, ele se considerava feliz. Pediram, então, uma camisa dele. E aí a surpresa que encerra a historinha: o homem feliz não tinha camisa.
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Não se sabe se, na ausência da terapêutica peça de vestuário, os médicos receitaram Prozac para o rei, mas a história faz pensar.
O que é, exatamente, ser feliz? A pergunta que, desde a antigüidade clássica, nunca deixou de ser formulada (por filósofos, teólogos, educadores, políticos), constitui-se em realidade num desafio, sobretudo agora em que outros fatores entram em jogo, gerando polêmicas do tipo:
são os homens mais felizes do que as mulheres, como sugerem algumas pesquisas? Se são, qual a causa desta diferença?
Vamos voltar, por um momento, à história do homem feliz. Vamos supor que ele tivesse sido convidado para conhecer o rei ou mesmo para morar na corte. Inevitavelmente teria de se vestir de acordo, o que exigiria, claro, uma camisa.
Aí ele precisaria comprar uma camisa. E uma gravata. E um terno. E sapatos novos. E teria de mudar de profissão porque um homem de terno e gravata, um homem que foi recebido pelo rei, não pode mais ser um simples lavrador.
Teria de conseguir uma coisa melhor, um novo emprego, quem sabe um cargo no governo. E pronto, eis o nosso homem possuído pela ansiedade de subir na vida. Será que a essa altura ele ainda se consideraria um cara feliz?
A felicidade é, antes de mais nada, um sentimento. Nas enquetes feitas a respeito, os investigadores limitam-se a perguntar se a pessoa se considera feliz, muito feliz ou infeliz. Não há um critério objetivo para a felicidade, que não se traduz em indicadores numéricos, como é o caso da obesidade.
Mas uma coisa é certa: a carência extrema, o sofrimento extremo, são absolutamente incompatíveis com a idéia de felicidade. Não tem nenhum sentido perguntar a uma pessoa que está morrendo de câncer se ela se sente infeliz. O conceito aí é absurdo.
A busca da felicidade, "pursuit of happiness" de que fala a Declaração de Independência dos Estados Unidos, colocava a felicidade em terceiro lugar na lista dos direitos inalienáveis, depois de "vida" e "liberdade". Mais do que isto, na Carta dos Direitos americana "pursuit of happiness" foi substituída por "property", propriedade.
Claro: propriedade estava mais de acordo com o liberalismo econômico e é, diferente da felicidade, algo concreto que pode até ser registrado em cartório.
As pessoas começam a falar de felicidade quando têm suas necessidades básicas satisfeitas, em termos de alimentação, de moradia, de trabalho.
Essas coisas são o pão; a felicidade é a manteiga, ou a geléia dietética, se vocês quiserem, ou até o caviar. Mas as pessoas não se contentam mais com pão seco. Querem mais, e nesta luta as mulheres têm se destacado.
Mulher hoje tem emprego, tem seu lugar assegurado na sociedade e está até ganhando mais. Mas mulher continua sendo mãe e dona de casa. Daí a ansiedade, daí a tensão, daí o estresse. Daí a sensação de infelicidade.
Freud dizia que a felicidade não está ao alcance dos seres humanos. O máximo que podemos almejar, na opinião dele, é uma "tranqüila infelicidade".
Notem que, para o pai da psicanálise, a tranqüilidade neutraliza a infelicidade. E é mais fácil de alcançar, bastando para isto que adequemos nossos objetivos às nossas reais possibilidades.
Se temos de usar camisa, que seja uma camisa cômoda, com colarinho folgado. E se tivermos de emprestá-la a um doente (rei ou não) que o façamos com satisfação e sem rancor.
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