sexta-feira, 14 de dezembro de 2007



O REINO DO FIM DO MUNDO

Reinar no fim do mundo. Que belo sonho! Mesmo que o fim do mundo seja agora apenas uma estratégia de marketing para vender produtos de grifes globalizadas.

Finisterre! No passado, porém, Ushuaia e Terra de Fogo eram nomes que incendiavam as imaginações e gelavam os corpos dos que se atreviam a desbravá-los. Ainda o fazem hoje, mas em menor escala.

O belo livro 'Na Patagônia', de Bruce Chatwin, conta uma parte dessa história de western sul-americano. Alguns franceses já se declararam reis da Patagônia. O primeiro deles foi Orélie Antoine de Tounens.

Ele chegou a perambular pela região em busca dos seus súditos e dos seus sonhos. Junto com os Mapuches, em 1860, implantou a sua monarquia hereditária e visionária.

Acabou preso e deportado. Morreu certo de que fora rei de Araucania y Patagônia. Fez do seu pai o herdeiro do trono. Jean Baudrillard também pensou em ser rei da Patagônia.

Baudrillard evitou, no entanto, a deportação. Foi um sábio. Preferiu escrever um lindo texto – 'Terra do Fogo – Nova York, ou o Fantasma do Fim do Mundo' –, em vez de lutar pela coroa ou de gelar-se como um pingüim.

Comentei com Michel Houellebecq o pensamento de Baudrillard nesta passagem que conheço de cor: 'Os alacufes não sabiam que estavam no fim do mundo. Estavam lá e em nenhuma outra parte – onde nunca estaremos. Para os navegadores, os aventureiros, os missionários tampouco era o fim:

descobriam um mundo sem equivalência com o deles, mas com o qual podiam comparar-se, uma nova fronteira'. Houellebecq limitou-se a murmurar: 'Os franceses sempre foram obcecados pela Terra do Fogo'. Os condenados da prisão de Ushuaia, que tanto chamou a atenção de Baudrillard, sabiam que estavam no fim do mundo. Trabalhavam para esquecer.

Mais do que as árvores mortas ou os glaciais azuis como se fossem instalações de poliestireno é o museu do presídio de Ushuaia que ainda fere a percepção de um visitante.

Fiquei uns longos minutos lendo a história de Ricardo Rojas, prisioneiro político que, encarcerado no fim do mundo, escreveu uma história da literatura argentina.

Senti medo ao conhecer o passado do 'Petiço Orelhudo', um doido que dizimava crianças porque estava desempregado e ainda tinha de ouvir as reclamações do pai a ponto de ter vontade de matar alguém. Imaginei Houellebecq preso e irônico, esbanjando talento e humor e tiritando de frio.

Ele preferiu não visitar a prisão. Quando o encontramos no hotel, silencioso e vigilante, sorriu para nós como se estivéssemos retornando da Disney.

Aí, sem mais nem menos, afirmou: 'É tudo ilimitado, até o vento'. Parece banal. Tem, no entanto, um paradoxo. O fim é sempre um limite.

Jean Baudrillard havia escrito isso num acesso de melancolia sem precedentes: 'Por toda parte, o nada, o deserto, o horizonte, o estéril, as perspectivas ilimitadas.

Para dizer a verdade, aqui não há natureza nem cultura, mas selvagem rejeição de ambas – refutação da paisagem no vácuo do vento, do céu fuliginoso, da inútil baía...'.

Era preciso reagir. O fim é sempre uma fantasia, um fantasma, uma idéia. Tomamos posse da Patagônia, numa tarde de vento forte, depois da neve, sob o sol, antes da chuva, em nome de outro francês, Lucien Sfez, e em homenagem a Baudrillard.

Fizemos isso enquanto uma massa de turistas metralhava montanhas de gelo, que lembravam merengues ou mausoléus, com suas câmeras giratórias.

juremir@correiodopovo.com.br

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