segunda-feira, 24 de dezembro de 2007



24/12/2007 e 25/12/2007
N° 15459 - Liberato Vieira da Cunha


Milagre de Natal

Dizem que ser feliz é não sentir saudade. Peço licença no entanto para imergir em alguma nostalgia de um período breve de minha vida.

Em Cachoeira, numa época que não carece identificar em números, surgia de repente uma indefinível agitação na casa.

Como eu sabia? Creio que pela carroça estacionada diante da porta da frente e meu pai examinando a mercadoria.

A mercadoria eram pinheiros de diversos tamanhos e preços, particularidades debatidas por meu pai e pelo vendedor de acordo com um hábito honesta e sabiamente brasileiro: a pechincha.

Depois de uma educada mas firme troca de argumentos, meu pai e o carroceiro chegavam a um acordo mutuamente justo e uma das árvores daqueles tempos pré-Ibama era depositada na sala de estar, que, a partir daquele dia, fechada, passava a ser um desafio à fantasia e à imaginação.

O sigilo fazia parte do ritual. Dona exclusiva da chave, minha mãe se entregava a uma arte em que era mestra: decorar com engenho e arte o pinheiro.

Era uma tarefa que supunha amplos conhecimentos de neves, enfeites, fios prateados e mais uma dezena de adereços cuja correta disposição exigia atenção e bom gosto.

Completada essa obra, iniciava-se outra, que requeria ainda mais aplicação e empenho: armar o presépio, a que não faltavam os três personagens centrais, mais os pastores, os reis magos, os animais, a manjedoura e a rutilante estrela de Belém.

O segredo era dar ao cenário a beleza e a devoção de um ato de fé e de esperança, mas nisso também minha mãe não falhava. Guardo até hoje fotos das pequenas obras-primas que criava com detalhe e esmero.

Em horas incertas, aportavam os pacotes, que iam sendo dispostos ao redor da árvore, envoltos em mistério.

E então chegava a grande noite, as portas da sala eram abertas, meu pai puxava as orações e os cânticos e depois ia chamando, com uma alegria contagiante, os donos dos presentes.

Há cenas de encantamento sem reprise - e é assim que recordo essa. Pois mais do que os brinquedos nos unia algo de único e de tocante. Isso que chamam de o milagre de Natal.

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