sábado, 15 de dezembro de 2007



16 de dezembro de 2007
N° 15450 - David Coimbra


O futebol morreu

Hoje o futebol está morto.

É essa a primeira frase do ótimo romance de Michel Laub, O Segundo Tempo, concorrente ao Fato Literário de 2007.

Sérgio Faraco foi o vencedor do Fato Literário e não podia ser outro, o Faraco é um dos Macistes da literatura brasileira. Mas o romance de Laub mereceu a distinção de competir com o Faraco, que só isso já é laurel.

Não sei se Laub tem realmente essa opinião acerca do falecimento do futebol ou se ela foi doada ao personagem narrador da trama. Sei que concordo. Também acho que o futebol morreu.

O romance de Laub não versa exatamente sobre isso, embora fale disso. É um romance perfeito, tecnicamente. Um romance de estilo requintado, de construção criteriosa, vê-se que ele se debruçou com cuidado sobre cada parágrafo, cada frase.

Teceu uma bela obra, um pouco de Salinger no tema, um tanto de Phillip Roth na condução da trama. Laub sustenta um clima de suave tensão que mantém o leitor em permanente expectativa.

O desenvolvimento dos personagens se dá sem pressa, num encadeamento verossímil. E o futebol é usado com mestria como fio condutor da história, transcorrida durante o Gre-Nal do Século, em 1989. Laub, o leitor percebe, entende e gosta de futebol. Não duvido, pois, que pense dessa forma. Que o futebol está morto.

Porque está. Dizia isso durante a nossa reunião semanal, aqui no Esporte, segunda passada. O dinheiro matou o futebol. Antes das ondas de dinheiro afogarem o futebol, o menino queria ser jogador pela glória ou pelo prazer.

Ele sonhava em vestir a camisa da Seleção ou do seu clube preferido, sonhava em ganhar a vida jogando bola, em fazer gols, em ser ídolo de uma torcida. O guri suspirava:

- Esses caras jogam bola e ainda ganham dinheiro pra isso!

Agora ele sonha com o dinheiro, não com a bola. Ele quer ser jogador para comprar uma casa para a mãe ou um carro para o pai, para usar dois celulares e alisar o cabelo à chapinha de chocolate.

Ele quer jogar em cidades que nem sequer sabe onde ficam, para gentes que nem sabe quem são. Tanto faz, para ele, ser jogador de futebol ou fabricante de sabão, desde que ganhe em Euros.

Nada representa mais esse ex-futebol do que a Seleção Brasileira e seus jogadores miliardários e enfatuados.

Nenhum jogador representa mais esse passamento do que Ronaldinho. Justo Ronaldinho, que era uma espécie de Garrincha redivivo, a nova Alegria do Povo, um menino que passava os dias da sua infância dentro do clube pelo qual torcia e as noites agarrado à bola de couro,

que via os vídeos do passado e sonhava em ser o Rivelino do futuro, justo ele, hoje pouco se lhe dá o amor que as torcidas lhe têm, hoje pouco se lhe dá o jogo jogado. Importam-lhe os seus milhões.

Milhões, milhões, quantos milhões Ronaldinho ganha por semana? Quanto vale uma hora do seu dia? Com todos esses milhões em perspectiva, por que haverá ele de se importar com a beleza de um drible, com um novo título, com a angústia ou o riso do torcedor?

Ele não precisa! Ele tem a propaganda de refrigerante para fazer, ele tem o novo investimento imobiliário com que se preocupar, a nova chuteira de grife para calçar, ele é uma entidade, não um meia-direita.

Hoje, um jornalista que cobre futebol cobre-o como se fosse para a Editoria de Economia. Não há diferença.

O antigo futebol, divertido, prazeroso, folclórico, apaixonante, o futebol com o qual os meninos sonhavam jogando bola de meia na calçada, jogando com goleirinha de chinelo de dedo no areão, jogando nos campos crespos da várzea, esse futebol não existe mais. O futebol, antes de envelhecer, morreu.

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