terça-feira, 18 de dezembro de 2007



18 de dezembro de 2007
N° 15452 - Paulo Sant'ana


A galinha voadora

Se eu tivesse, juntos, o talento criativo do Luis Fernando Verissimo e o fôlego sensitivo da Martha Medeiros, eu seria o maior cronista brasileiro vivo, só inferior aos falecidos Rubem Braga e Antônio Maria.

Como não tenho nem a mágica das sacadas do Verissimo nem os textos à flor da pele da Martha, sou apenas o cronista mais lido do Sul.

Na fase em que ando, se eu comprar uma cervejaria, o Congresso Nacional irá no mês seguinte baixar uma lei proibindo bebidas alcoólicas para menores de 50 anos.

O meu azar dos últimos 120 dias está se tornando lendário. Só um exemplo: todo elevador em que entro, se quero subir, está descendo. Quando quero descer, sempre o elevador está subindo.

Todo restaurante em que vou almoçar ou jantar está, sempre, lotado. E se passo por restaurantes de que não gosto, vejo-os vazios, uma só pobre coitada mesa com gente.

Apostei R$ 500 no Grêmio, na decisão da Libertadores da América, contra o Boca Juniors, perdi de 5 a 0 nos dois jogos.

Aí achei que tinha arrumado um jeito de recuperar meu dinheiro, na decisão de domingo passado no Japão, apostei os mesmos R$ 500 no Boca Juniors. Ganhou o Milan por 4 a 2 e restei sem dinheiro para os presentes de Natal.

O meu azar tem sido tamanho, que, quando escolho, para vir ao trabalho, usar a Nilo Peçanha, desprezando a Protásio Alves, a Nilo Peçanha está engarrafada.

E quando escolho a Protásio Alves, em vez da Nilo Peçanha, a Protásio é que engarrafa. Ou sou muito azarado, eu então toda a Porto Alegre está engarrafada e tenho que depressa me mudar para Ivoti, onde segundo me dizem só há engarrafamento de flores.

Mas, como onde há flores há abelhas, em Ivoti deve haver um perigoso e fatal engarrafamento de abelhas.

O meu azar é tanto, que desde que nasci, por falar em abelhas, tenho uma orelha menor que a outra. Uma abelha esses dias aplicou-me um ferrão em uma orelha, que inchou barbaramente. A abelha foi ferrar logo minha orelha maior.

Se tivesse a abelha picado minha orelha menor, pelo menos por uns três dias eu teria emparelhado o tamanho das minhas orelhas.

Fiquei uma semana com um orelhão adornando meu rosto.

Ainda o meu azar. Esses dias estava passando o filme Cinema Paradiso, num cinema do Interior. Lá fui eu assistir a ele, levei duas horas de carro, me disseram que esse filme era imperdível e só estava passando lá (não cito o nome da cidade para não deixá-la mal afamada).

No meio do filme, alguns garotos resolveram jogar lá do mezanino uma galinha viva, que quando passou diante da luz do projetor se refletiu na tela com as asas batendo.

Havia 500 pessoas no cinema. Adivinhem em cima de quem a galinha caiu? Exatamente em cima da minha cabeça. Devia ter sofrido grande susto aquela galinha: sujou todo meu pescoço de cocô.

Saí na metade do filme, completamente ridicularizado pelas gargalhadas dos outros espectadores.

Isso, lhes juro, só acontece comigo.

E para mal dos pecados, contaram-me ontem que 15 dos 30 alunos de uma aula do Colégio Anchieta foram até o professor e perguntaram-lhe se tinha lido a minha espetacular coluna do último domingo, que tratava do meu sepulcro, claro que depois da minha provável morte, no Parque Farroupilha, ao lado dos túmulos dos poetas Mario Quintana e Lupicínio Rodrigues.

Respondeu o professor: "Paulo SantAna? Quem é este senhor? Juro que não o conheço, mas esse nome não me parece estranho".

Este é um dos casos em que, no meu caso, o suicídio soa como um dever.

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