sábado, 22 de dezembro de 2007



22 de dezembro de 2007
N° 15456 - José Pedro Goulart


"I belong to Jesus"

Já faz uns dois ou três anos que a cantora Janet Jackson, numa atitude imprevista, exibiu o seio (esquerdo?) em rede nacional num show transmitido ao vivo pela TV, atitude que por pouco não levou Janet à cadeira elétrica: a cantora inclusive chegou a ser excluída do Grammy.

E o Oscar, que viria logo depois, pela primeira vez na história foi transmitido com atraso de cinco segundos, na ânsia de se proteger contra alguma maluquice dessa ordem. O resto do mundo riu: "Esses americanostanto barulho por um peitinho."

Moralismo? Talvez. Acontece que, segundo a vigência da liberdade recíproca, Janet simplesmente não tinha o direito de mostrar algo que alguém não quisesse ver. Tivesse anunciado antes e tudo certo, era só trocar de canal.

Em tempos de paranóia, o peito de Janet Jackson teve um efeito Bin Laden. Aquele era um peito subversivo que sem aviso entrava com seu potencial de perigo no seio (ops) da família americana.

E agora o Kaká, numa atitude semelhante à irmã do Michael Jackson, também ergueu a camiseta: só que ao invés do peito, ele mostrou uma inscrição na qual avisava que "pertence a Jesus" (I belong to Jesus).

Eu não vou entrar no mérito dele que, afinal, cada qual que pertença a quem quiser; o jogador é seguidor da Igreja Renascer, cujos fundadores estão presos em Miami por entrarem nos EUA com dinheiro não-declarado.

O meu ponto é esse: que direito tem o Kaká de se utilizar do futebol, desse esporte que envolve milhões de pessoas, e veicular uma mensagem que só diz respeito a ele? Que direito tem o jogador de usufruir da minha audiência e me tornar alvo do seu messianismo?

Agora imaginemos a seguinte hipótese: o Kaká levanta a camiseta e aparece escrito algo como "Pela descriminalização do aborto". Será que os que pertencem a Jesus deixariam por isso mesmo?

O conhecido bom-mocismo do jogador, que alega que casou virgem e tudo mais, além de ser um propalado sujeito de família e com aquela aparência de menino anjo, blinda o rapaz contra qualquer crítica, e ainda o torna mais influente.

Além disso, Kaká, ao contrário da cantora americana, não foi condenado porque a maioria simplesmente está acostumada com a mensagem que ele trazia no peito - o tipo de mensagem que ajuda a apagar as poucas velas acesas, muitas vezes à custa de sangue, no sentido de diminuir as trevas a que temos sidos impostos através dos tempos.

Nenhum comentário: