quarta-feira, 26 de dezembro de 2007



26 de dezembro de 2007
N° 15460 - Paulo Sant'ana


Reflexões natalinas

Telefonei para meu amigo Paulo Di Nardo e sua voz estava embargada, sob choque: furtaram do seu carro, que estava estacionado na Rua Freire Alemão, 80 CDs que ele colecionava com esmero e dedicação há vários anos.

Indaguei-lhe sobre como cometeu a imprudência de levar 80 CDs no carro, não sabia que podia ser furtado?

Ele me respondeu que estava indo para a praia e adora música, não pode se separar de seus CDs.

Se alguém quiser devolver esses CDs, eu gratifico. Eu, o colunista, gratifico.

Não podemos deixar meu amigo entrar o ano arrasado assim como ele está. Magoaram-no os ladrões, quem sabe um deles devolva os CDs?

A mim também já me levaram tudo os ladrões. Só me deixaram a razão. Os ladrões já me levaram a paciência, carregaram-me esses dias com a última reserva de tolerância que eu tinha. Levaram-me os ladrões há muito tempo a esperança.

E, não contente, o destino ladrão me levou a juventude, roubou-me ela num supetão. Mas os ladrões não conseguiram ainda levar a minha voz e a minha razão. E com elas eu vou resistindo.

No dia em que surripiarem a minha voz e a minha razão, só então me entregarei.

Os ladrões já me levaram a libido, mas acho que ainda não levaram o meu desejo. Eu ainda atino. Eu ainda sinto vibrarem em mim as cordas remotas da lascívia: isto quer dizer que ainda estou vivo.

E que o dr. Sarmento Barata pode me devolver a capacidade para a concupiscência.

Roubaram-me quase tudo os ladrões, mas ainda não me levaram os amigos. Restam-me os amigos, poucos amigos, mas grandes amigos. Eles são os alicerces da minha vida. Os amigos que estão próximos de mim fisicamente e ambientalmente e os amigos que estão distantes mas permanecem dentro de mim.

Os meus amigos são o sal da minha terra, o elixir da minha vida.

Meus amigos, meus tesouros. Meus amigos são o meu seguro de vida. Agarro-me fervorosamente a esta apólice, a tábua da minha salvação.

Meus amigos e minhas amigas me restam como meu último socorro. Derradeiro e eficaz socorro.

Quanto a minha família - ou famílias - espero que ela seja nos próximos tempos, como vem sendo há quase meio século, digna e encorajadora da nossa convivência aqui nesta passagem pela Terra.

E que Deus nos abençoe a todos, inclusive aos meus leitores e leitoras, para quem em última análise eu tenho vivido.

E se o pai do Nazareno quiser, vou continuar vivendo.

O meu amigo João de Almeida Neto, ouvindo de mim uma dissertação sobre a inveja, lascou a sua sentença: "Eu só tenho inveja de um tipo de pessoa: aquele que tem 20 anos menos do que eu".

Objetei prontamente ao João: "Pois comigo se dá singularmente o contrário: só tenho inveja de quem tem 20 anos mais do que eu".

E quando alguém me pergunta como vou indo, como estou passando, se está tudo bem comigo, ensaiei meticulosamente uma resposta para a fase da vida que estou atravessando:

"Estou nadando de poncho contra a correnteza e rezando para que apareça pelo menos um crocodilo para que eu me agarre nele imaginando que seja um tronco".

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