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sexta-feira, 21 de dezembro de 2007
21 de dezembro de 2007
N° 15455 - Paulo Sant'ana
Nada de dor, tudo de medo
Na folga de uma cirurgia no pé e 30 consultas sobre a cicatrização da escara restante e da probabilidade de que o revezamento entre inchaços e desinchaços da parótida venham a culminar em um tumor, repito, na folga deste rali de tão pacienciosas quanto tensas peregrinações pelos hospitais e clínicas, resolvi, vejam só a minha estultice, entregar-me aos cuidados de uma cirurgiã-dentista.
Foram de início dois dias apenas de um tratamento que se prenuncia mais longo, mas foram os dias mais penosos da minha vida.
Não pela falta de habilidade da dentista, pelo contrário, ela é uma das profissionais mais destacadas pela sua notória e consagrada competência em nosso meio.
Mas uma coisa é a dor física, que na lenda está ligada umbilicalmente à odontologia, outra coisa é a dor psíquica.
Não tive nos dois dias entregue à dentista, com um tratamento de canal e duas restaurações (obturações), qualquer dor física.
Os anestésicos modernos objetivamente fizeram desaparecer das cadeiras dos dentistas um fator que era inseparável delas: a dor.
No entanto, eu me declaro um covarde. E quando a dentista ergue sobre minha boca aquele imenso seringão que vai inocular nas minhas gengivas o líquido anestésico, começa o meu fiasco. O prédio inteiro ouve os meus berros de medo.
É isto: o medo. Não existe mais a dor, mas o medo me aterroriza na cadeira da dentista.
Para acabar com a dor, inventaram o anestesista. Para acabar com o medo, ainda não inventaram ninguém: os psicanalistas e os psiquiatras têm se revelado impotentes para debelar o medo da mente humana.
E o medo me tornou um farrapo humano durante as duas sessões daquele inesquecível tratamento de canal de anteontem e das duas restaurações de ontem.
O homem é escravo do medo. Medo do desemprego, medo de engordar, medo de ser mal interpretado, medo de ficar pobre, medo de ficar rico por dar chance ao seqüestro, a criatura humana tem medo de tudo, não vai ter medo de dentista?
Além do medo da dentista, no tratamento de canal de anteontem, fui submetido a outra tortura equivalente. Foram seis horas inteiras, palavra de honra, sentado na cadeira da dentista, submetido à seringa da dentista, ao alicate da dentista, a uma parafernália moderna de equipamentos dos dentistas, inclusive lixas para remover as resinas que restam das obturações e que se grudam aos dentes geminados.
Foi uma, foram duas tardes de lixas e brocas. Além de uma ferramenta que não sei o nome, de cabo de ferro, tendo na ponta um gancho, literalmente um gancho, que cavouca a cavidade que foi obturada para limpá-la definitivamente.
Eu nunca mais vou esquecer daquele gancho. Nem daquelas centenas de pequenos cilindros de algodão que a dentista socava dentro de minha boca para separar os lábios e as bochechas internas dos dentes.
Vários cilindros de uma só vez, se eu tossisse , espalharia-os por todo o consultório.
Mais um secador, também em forma de gancho, que serve para chupar a saliva, que, obviamente, se produz mais intensamente na boca quando se está naquela dramática situação. Um secador mais incômodo que oposição no Senado.
Com tudo isso, dor nenhuma. Mas medo de dor eu vou continuar sentindo, só em me lembrar daquele calvário, nos próximos seis meses.
Seis horas no primeiro dia, três horas no segundo dia. Na cadeira da dentista. E tortura equivalente - ia me esquecendo - consistiu em nove horas sem fumar. Não existe nada pior.
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