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sábado, 15 de dezembro de 2007
16 de dezembro de 2007
N° 15450 - Paulo Sant'ana
Imortais daqui e de lá
Volto ao meu sonho, retorno à minha utopia. Depois que morrer, quero ser sepultado - insisto - num jazigo, no centro do Parque Farroupilha.
Do meu lado direito, a tumba de Mario Quintana; do meu lado esquerdo, o túmulo de Lupicínio Rodrigues.
Ali viveremos os três a eternidade dos imortais. Ali a cidade inteira vai todos os dias render suas homenagens à hipersensibilidade de Quintana e Lupicínio, os seus dois maiores poetas populares.
E, eu no meio deles, vou pegar uma beirada na glória dos dois poetas.
Se um dia, daqui a 40 anos, quando estiver encravado já no seio da Redenção o mausoléu de Lupicínio, Quintana e meu - e então tiver falecido, vejam bem, daqui a 40 anos, o Moacyr Scliar, se é que um imortal pode vir a morrer -
se em espírito fátuo o Moacyr Scliar for rondar os nossos três túmulos, mendigando serem ali também colocados os seus restos mortais, preconizando assim que o Parque Farroupilha abrigue no mausoléu uma quadrilha de imortais -
se o Scliar vier se esgueirando à noite por entre os três nossos ermos túmulos, reivindicando também para ele aquela moradia célebre, debaixo dos ciprestes farroupilhas do Parque, então sairei furtivamente do meu túmulo e discursarei para o fantasma do Scliar:
"Vai-te daqui, Scliar. Durante toda tua vida, que viveste na maioria dos dias nas cercanias deste parque, pois moraste durante mais de meio século no Bonfim, nunca te ocorreu a idéia de seres sepultado na Redenção.
E agora vens tardiamente tentar compartilhar comigo, com Quintana e com Lupicínio, este lugar sagrado que é só nosso, não te pertence Scliar, não tiveste a idéia em vida, não podes realizá-la agora depois da morte. Afasta-te daqui, Scliar, vai procurar a tua turma.
Ou seja, vai te sepultar no jazigo dos imortais da Academia Brasileira de Letras, no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. O teu lugar não é aqui entre os três grandes da literatura gaúcha, ou, melhor, da poesia gaúcha, o teu lugar é entre os imortais brasileiros, lá no jazigo carioca.
Vai te sepultar bem ao lado do túmulo do José Sarney, Scliar. Aqui não há lugar para ti. Aqui um é insuficiente, dois é pouco, três é bom, quatro é demais".
E sendo assim rejeitado no Panteão gaúcho, parece que estou vendo o Scliar subir no meu túmulo e recitar este soneto dirigido a mim:
Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos um dia
Eu fui refugiar-me à tua porta.
Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta.
Era o mesmo frio que em carniçaria
O aço das facas incisivas corta.
E tu não vieste ver minha desgraça
E eu saí como quem tudo repele,
Velho caixão a carregar destroços,
Levando apenas na tumbal carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos.
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