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sábado, 29 de dezembro de 2007
30 de dezembro de 2007
N° 15464 - David Coimbra
O quase gordo e os dois magros mas não muito
Não me recordo do nome de nenhum dos personagens dessa história, mas lembro deles como se os visse agora e aqui, pisando em cima do carpete azul da Redação. Eram meus colegas de aula, os três.
Desentenderam-se por alguma razão na hora do intervalo, dois contra um. O um era grande, quase gordo. Os dois, pequenos e magros, mas não muito. Os dois magros mas não muito é que pediram briga.
- Vamos te pegar lá fora! - arrostavam para o quase gordo, em meio a aula sobre a fórmula de Báskara, menos bê mais ou menos raiz quadrada de bê ao quadrado menos quatro a cê sobre dois a.
O quase gordo não respondia. - Ele vai levar um pau! Vamos quebrar a cara dele! - ameaçavam. O quase gordo, nada.
Eram debochados, os dois magros mas não muito, eram insolentes. Ficaram provocando o quase gordo até que a sineta bateu, que naquela época a sineta batia nas escolas.
Na saída, o colégio inteiro estava mobilizado para ver a luta. Os dois magros mas não muito caminhavam na frente, gabando-se, jurando o quase gordo, iam transformá-lo em patê, iam fazer a cara dele virar xis-bacon, ninguém saberia a diferença entre o quase gordo e um prato de mondongo, depois da surra que lhe aplicariam, e talicoisa.
O quase gordo, mudo, olhando para o bico branco da Conga, arrastando sua melancolia, como diria o Professor Ruy.
O grupo, enfim, chegou a um barranco ao lado do muro que circundava a escola. O quase gordo sentou-se na grama e abraçou os joelhos, sempre mirando o solo, chateado.
Os dois magros mas não muito ficaram saltitando em volta, rindo e caçoando, chamando o quase gordo de verdadeiro gordo, de banha, de pança, de baleio, de poltrão, diziam que a mãe dele militava em rendez-vous, que o pai dele não tinha caminhão, essas coisas. O quase gordo cabisbaixo, sem reagir.
Para quem queria ver briga, para quem estava lá pelo espetáculo, era frustrante. Todos em volta começaram a açular o quase gordo, a chamá-lo de covarde, covarde, co-var-de! Um dos magros mas não muito parou diante dele, fincou as mãos na cintura e, olhando para baixo, comentou, entre risos:
- Ele não luta porque são dois contra um. Ele tem medo de nós dois.
Então, o quase gordo finalmente levantou o queixo e olhou para cima, afastou os braços das pernas e, apoiando as mãos na grama, ergueu o corpanzil, murmurando:
- Nem de dois, nem de três. E a ação começou.
Testemunhei, nos minutos seguintes, uma breve porém eloqüente demonstração da arte do pugilato. O quase gordo tinha os braços mais compridos que os dois magros mas não muito.
Graças a isso, mantinha-os a uma distância segura. Eles não podiam se aproximar, senão se transformavam em alvos dos punhos de pedra do quase gordo. Mas, se não se aproximassem, como atingi-lo? Mais: o quase gordo era surpreendentemente ágil para o seu tamanho.
Ficava dançando em volta dos dois adversários, pulando de um lado para outro. Quando um se punha ao seu alcance, ele, SOC!, desferia-lhe um murro certeiro. Aí o outro tentava socorrer o amigo e o quase gordo, POW!, mandava mais uma bomba.
Em três ou quatro minutos de violência concentrada, sistemática, calculada e feroz, o quase gordo desmontou os dois magros mas não muito peça por peça, como se estivesse exercendo uma atividade profissional, uma tarefa de escritório.
Foi isso que me impressionou: a serenidade assassina do quase gordo. Sua técnica de espancamento. A violência transformada em instrumento de ação. A partir daí, passei a me interessar pelo boxe. Corta.
Em meados deste ano que se escoa, o já saudoso 2007, fui assistir às lutas de boxe no Pan do Rio. Lá estavam os cubanos, exímios pugilistas, e lá estava o Minotouro, irmão do Minotauro, primo irmão do Minotiuro, gêmeos campeões de vale-tudo no Japão. Parecia uma competição animada. Qual o quê!, como diria Chico Buarque.
Como é que chamam aquilo de luta? Boxe olímpico, francamente! E nem falo por causa do elmo protetor que os pugilistas usam. Até porque não será o sangue espirrando que haverá de tornar mais atrativo o jogo.
Só que, no boxe olímpico, o nocaute está praticamente proibido. Quando um lutador começa a castigar o outro com mais eficácia, o árbitro logo os separa. A vitória é concedida por pontos marcados eletronicamente.
Sem o nocaute, o boxe olímpico torna-se uma competição emasculada. Porque o nocaute é a essência do boxe. O nocaute é o verdadeiro objetivo do boxe.
Uma luta sem nocaute, sem o adversário batido cabalmente, inapelavelmente, é como um campeonato de futebol sem decisão. Mas quem admitiria um campeonato de futebol sem decisão? Quem???
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