terça-feira, 18 de dezembro de 2007



18 de dezembro de 2007
N° 15452 - Cláudio Moreno


O silêncio das cigarras

Foi só na famosa fábula de La Fontaine que as cigarras, contrastadas com as laboriosas formigas, ganharam a má fama de doidivanas irresponsáveis. Na Antigüidade, porém, sua imagem era muito diferente, pois elas, juntamente com as abelhas, eram os insetos mais adorados pelo homem.

Platão recorre a um mito para explicar a sua origem: quando as Musas cantaram pela primeira vez neste mundo, os mortais ficaram tão extasiados que muitos deles deixaram de comer e de beber para se dedicar de corpo e alma à música, e sua entrega era tal que eles foram morrendo sem se dar conta.

As Musas, comovidas com tamanha dedicação, transformaram-nos em cigarras, dando-lhes o privilégio de sobreviver sem alimento algum e a missão de apregoar, da manhã à noite, que a arte é um presente divino. Ao morrer, voltavam até as deusas para apontar os homens que mais cultuavam a música, a dança e as artes.

Muitas crendices antigas se dissiparam. Hoje sabemos que elas só aparecem no verão e não duram mais que um mês, apesar de suas larvas sobreviverem por anos enterradas no solo; o encontro de uma cigarra com uma formiga, em pleno inverno, como mostra a fábula, é pura fantasia de La Fontaine.

Elas não vivem de ar, mas se alimentam da seiva das plantas em que ficam pousadas, sem que, para isso, precisem interromper seu canto, que vai do raiar do dia até o crepúsculo.

Todavia, ninguém ainda sabe muito bem por que elas cantam sem parar, enquanto o sol está no céu. O que anunciam essas mensageiras divinas? Uns dizem que é simplesmente o apelo que os machos usam para atrair as fêmeas.

Jean-Henri Fabre, o poeta e entomologista francês, diz que pode ser isso - mas não só; assim como o cricri dos grilos e o coaxar das rãs, o chiar das cigarras é também uma forma particular de expressar a alegria de viver, aquela "alegria universal que cada espécie animal celebra à sua maneira".

O que as faz cantar é, na verdade, o simples prazer de existir - e as fêmeas, com sua natural sabedoria, sentem-se atraídas por essa demonstração de puro entusiasmo pela vida.

Um grande mistério, porém, ainda envolve aquele momento impressionante em que todas elas se calam, juntas, subitamente, naquele uníssono de silêncio que sempre nos inquietou.

Quem o conhece, sabe: é o silêncio atordoante das cigarras que, de tempos em tempos, parecem querer lembrar a si e às outras o breve e glorioso destino de toda a sua espécie: "Ouçam! Este é o silêncio que nos aguarda, lá adiante! Ouçam bem, para não esquecer.

Depois, reúnam toda a força que tiverem e voltem a cantar, porque as deusas que nos deram a vida não nos permitem saber quando chegará, finalmente, o crepúsculo do nosso último dia".

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