segunda-feira, 31 de dezembro de 2007



31/12/2007 e 01/01/2008
N° 15465 - Luis Fernando Verissimo


Humanidade em comum

Que 2008 lhe dê em dobro tudo que 2007 não deu. E que no novo ano as pessoas aprendam a se entender. Afinal, temos tanta coisa em comum!

Por exemplo: o homem é o único animal que fala pela mesma razão que é o único animal que se engasga. Algo a ver com a localização da laringe.

Ou é da faringe? Enfim, algo no homem lhe dá o dom da expressão verbal que nenhum bicho tem, mas os bichos, em compensação, nunca se vêem na situação embaraçosa de dizer o que não deviam ou se engasgar na mesa.

O fato também sugere uma questão: foi a necessidade que o homem - ou, mais provavelmente, a mulher - sentiu de falar que determinou a eventual localização privilegiada da laringe, ou foi o acaso de a laringe humana evoluir como evoluiu que determinou a fala?

Sabe-se que a vida surgiu na Terra porque a combinação de condições - a nossa distância do Sol e a relação dos elementos na nossa sopa primeva - eram as ideais para haver vida. Isto foi um acaso que só aconteceu aqui e todo o resto do Universo é apenas um bonito cenário de fundo para a nossa excepcionalidade, ou o acaso se repetiu em várias galáxias?

O ser humano desenvolveu a fala por um acidente anatômico e assim virou gente ou a linguagem foi uma etapa lógica da sua evolução, porque para ser gente só faltava falar?

O próprio Darwin chegou a especular que a fala começou como pantomima, com os órgãos vocais inconscientemente tentando imitar os gestos das mãos.

O que, de certa maneira, redime aquele gesto de fazer aspas com os dedos, pois as aspas seriam anteriores à fala e não uma irritante novidade.

A linguagem oral teria se desenvolvido porque, antes da invenção do fogo, a linguagem gestual não era vista no escuro e as pessoas, ou as pré-pessoas, não podiam se comunicar. A linguagem é filha da noite!

Teorias estranhas sobre a origem da linguagem não faltam. No século 17 um filólogo sueco afirmou com certeza que no Jardim do Éden Deus falava sueco, Adão falava dinamarquês e a serpente falava francês.

Sempre a má vontade com os franceses. Na sua infância - a palavra "infância", por sinal, vem do latim "incapacidade de falar" - , a humanidade não produzia palavras, mas certamente produzia sons, e uma das teorias sobre o nascimento de fonemas é que o ser humano teria começado a imitar os sons dos animais para identificá-los e que esta foi a última vez em que o mundo teve uma linguagem comum.

Foi chamada de "teoria bow wow", e o nome já a desmentia, pois "bow wow" é como latem os cachorros anglo-saxões, enquanto os luso-brasileiros fazem "au-au" e os japoneses, segundo os japoneses, "bau-bau".

A única linguagem comum a toda a humanidade é a dos ruídos involuntários do nosso corpo. Toda a espécie humana espirra e tosse da mesma maneira, não há como variar a pronúncia de um arroto e nada simboliza melhor a nossa igualdade intrínseca do que o pum, que todos dão da mesma maneira, não importa o que digam do pum alemão.

Eis uma receita para o entendimento: reuniões internacionais que começassem com um coro dos nossos ruídos elementares, para enfatizar a nossa semelhança. E não haveria a necessidade de intérpretes.

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