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segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
GUILHERME WISNIK
Intuição trágica e repouso
A arquitetura de Niemeyer é feita de gestos largos, orientados pela dimensão de um mundo moderno
GRUDOU na arquitetura de Oscar Niemeyer a imagem de um hedonismo tropical, de herança barroca, cuja poética da forma livre foi capaz de se destacar mundialmente pelo contraste que propunha em relação à contenção formal do primeiro modernismo.
Versão alimentada pela própria mitologia do arquiteto carioca, que sempre divulgou a idéia de uma inspiração mimética para as curvas que a sua mão traça com espontaneidade.
Tal interpretação, no entanto, não dá conta do sentido profundo que há em sua obra, capaz de fazê-la sobreviver ao tempo como uma das mais importantes do século 20.
Pois é preciso notar que, para além de uma facilidade superficial, sua obra foca o cerne da crise moderna, incorporando o seu princípio trágico de modo a tornar-se uma poderosa imagem daquilo que entendemos por "desencantamento do mundo".
Tomemos alguns dos exemplos mais caros ao arquiteto, como os palácios de Brasília, a Universidade de Constantine ou o Memorial da América Latina.
São projetos em que a individualidade escultórica dos edifícios radicaliza a sua condição de isolamento, aderindo à linha do horizonte e reduzindo o espaço ao plano bidimensional e infinito, como que visto sempre em elevação.
Vem daí o seu caráter muito pouco urbano, em que o ambiente que envolve as construções (como num quadro de De Chirico) se torna uma imensidão vazia e impenetrável.
Pode-se dizer que, do ponto de vista espacial, a emergência histórica da modernidade está relacionada ao colapso do "mundo barroco", à medida que o impacto da sociedade de massa vai inviabilizando aquela fusão coreográfica entre construção e espaço centrada no humanismo.
Difícil não ver, na arquitetura de formas fechadas e coladas ao plano do horizonte, feita por Niemeyer, uma expressão dessa cisão moderna (pouco ou nada barroca, por sinal).
Ocorre que, por outro lado, Niemeyer não explicita essa consciência trágica da modernidade através de um expressionismo formal, daí a sua originalidade.
Ao contrário, os seus edifícios buscam sempre o repouso junto ao chão, a quietude, sublimando, como mostra Sophia Telles, qualquer idéia de esforço envolvido na busca para se atingir a leveza da forma.
Coerentemente, reveste o concreto com placas de mármore, pastilhas ou tinta branca, retirando da matéria qualquer carga expressiva ou referência à noção de processo, trabalho.
Daí o aspecto "surrealista" e atemporal de lugares como Brasília, que, para Clarice Lispector, seria o ponto de encontro improvável entre as ruínas de uma civilização arcaica e a visão futurista das crateras da lua.
Sem o recato lusitano, a arquitetura de Niemeyer é feita de gestos largos, orientados pela dimensão de um mundo moderno que ela soube muito bem encarnar e inaugurar.
Não apenas como expressão de uma crise, mas também como a sua problematização, na forma de um paradoxo: a difícil separação entre construção e natureza, indivíduo e coletividade, sublimada a partir da experiência de um país que saltava para a modernidade sobre o vácuo da história.
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