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segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
UMA VIDA ORDINÁRIA
Faz menos de uma semana, em Petrópolis, que eu encontrei o Luis Felipe. Continua o mesmo. Nem parece que ficamos bem uns 18 anos sem nos vermos.
Claro, não vamos exagerar, ele agora ostenta, como um bom volume de ações rentáveis, uma leve barriguinha e umas mechas grisalhas de galã antes dos piores papéis. De resto, não mudou muito. Nada mesmo.
Era um dos poucos da nossa turma de adolescentes em cursinho pré-vestibular que adorava ler. Quando eu me apaixonei por Turgueniev, ele estava inteiramente dedicado a Tchecov e não aceitava ser contrariado. Gostava de falar difícil e odiava 'tergiversações'.
Luis Felipe é advogado, leva, segundo me disse sem qualquer afetação, uma vida confortável, separou-se duas vezes e tem três filhos, duas meninas e um menino. O guri, infelizmente, é gremista. Digo infelizmente porque Luis Felipe sempre foi colorado de quatro costados.
Luis Felipe sempre tinha um grave defeito: respondia objetivamente a perguntas retóricas do tipo 'como vai?'. Em nosso reencontro, modulei a questão: 'Que vida tens levado?'. Ele não hesitou: 'Uma vida ordinária'.
Diante do meu espanto, fez uma pequena concessão explicativa: 'A vida de todo mundo, uma vida boa e normal'. Ufa! Cheguei a pensar que fosse uma queixa ou uma estudada resposta com base na ambigüidade da palavra 'ordinário'. Mas Luis Felipe era conhecido por sua precisão. Odiava ambivalências.
Recordo-me de que não ficou com a Lia – a mais bela da sala, que se preparava para o vestibular de Medicina – porque ela oscilava entre uma relação séria – aos 16 anos – e um namorico preparatório para os grandes momentos da vida. Na época, diga-se como atenuante, ainda não existia o 'ficar'. Melhor, 'ficar' significava outra coisa.
Conversamos uns 15 minutos numa esquina, junto à sua Cherokee preta. Foi num desses raros dias verdadeiros de primavera a que tivemos direito neste ano. Soprava até uma brisa agradável. Eu estava louco para saber das suas leituras mais recentes.
Será que ainda lia os russos? Teria, enfim, descoberto o niilismo irônico de Turgueniev? Acharia agora Tchecov, às vezes, meio piegas? Ele não parecia estar muito interessado em falar de literatura. Comentou distraidamente sobre os efeitos do aquecimento global.
Sei que é um assunto palpitante e em alta na agenda cotidiana das pessoas sérias e bem-sucedidas, mas eu o reservo para os meus diálogos intermináveis com os motoristas de táxi, os maiores especialistas em meteorologia que conheço.
De repente, pensando justamente na Lia, que também não ficou comigo – embora eu tivesse tentado e não me importasse em ser apenas um namoradinho de ocasião, um amasso já teria me deixado feliz –, eu caí numa certa nostalgia e convidei Luis Felipe para almoçar.
Ele se retraiu. Senti que não queria ou não podia. Mesmo assim, movido por uma espécie de insensibilidade retroativa, eu insisti. Luis Felipe, pela primeira vez, ao menos, na minha frente, tergiversou.
Eu percebi que ele preparava uma dessas mentiras inocentes que as pessoas adoram ouvir em lugar da verdade nua e crua. Mas aí ele se recompôs e disse secamente: 'Não posso. Hoje, ao meio-dia, vou levar meu pai para um asilo'.
Para uma clínica, quer dizer, uma casa de repouso? – perguntei, meio chocado. Ele me olhou firme e declarou com uma voz metálica e límpida: 'Eu nunca suportei eufemismos. Continuo o mesmo, nisso eu não mudei'.
juremir@correiodopovo.com.br
Ótima segunda-feira e excelente semana.
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