quinta-feira, 13 de dezembro de 2007



13 de dezembro de 2007
N° 15447 - Luis Fernando Verissimo


Precisa-se de uma revolução

O Kilimanjaro é aquela montanha na África onde, segundo Hemingway contou num conto, um dia encontraram a carcaça congelada de um leopardo perto do cume, e nunca ficaram sabendo o que o leopardo fazia por lá.

O leopardo de Hemingway já foi considerado símbolo de muitas coisas: espírito de aventura, a busca solitária do inalcançável, a imprevisibilidade do comportamento humano, a pretensão ou a simples inquietação que move bichos e artistas.

Num mundo ameaçado de afogamento pelo degelo causado pelo aquecimento global, o leopardo de Hemingway também pode simbolizar o instinto suicida que nos trouxe a este ponto.

O próprio Kilimanjaro é um termômetro assustador do efeito estufa, cujas conseqüências e combate se discutem agora em Bali. O pico do monte já perdeu mais de 80% da sua cobertura de neve nos últimos 90 anos e o cálculo é de que a neve desaparecerá por completo nos próximos 20.

Os Estados Unidos têm 4% da população do planeta e emitem um quarto do dióxido de carbono e outros venenos que ameaçam todo o mundo. Mas não são vilões isolados, nem se deve estranhar muito sua aparente opção pelo suicídio.

Escrevendo num London Review of Books sobre o fim próximo da civilização do hidrocarboneto, Murray Sayle fez um paralelo entre Japão e Europa, onde já havia comunidades nacionais antes da Revolução Industrial, e o Novo Mundo, onde as identidades nacionais se formaram graças ao combustível fóssil, e não seriam países se não fosse pelo trem, o barco a vapor e depois o automóvel.

Canadá e Austrália também estão na frente contra maior controle sobre as emissões e também insistem em caracterizar sua resistência como oposição democrática e realista ao ambientalismo elitista.

De certa forma, nesses países o ambientalismo contradiz toda uma cultura empreendedora, que definiu o caráter nacional. O que se está pedindo deles é nada menos do que uma condenação da própria história e uma revolução do pensamento.

O fato é que um dia um extraterreno descobrirá a carcaça calcinada - ou congelada, já que depois do dilúvio virá outra era glacial - de um homem da idade do hidrocarboneto, e a considerará tão inexplicável quanto a do leopardo de Hemingway.

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