06
de maio de 2013 | N° 17424
L. F.
VERISSIMO
Desilusão, desilusão
Quando
avanços na astronomia permitiram ao homem ver com mais clareza a superfície de
Marte, começaram a surgir teses e especulações sobre o que viam. Um dos
primeiros a examinar mais de perto o planeta viu um paraíso. No primeiro mapa
de Marte feito na Terra, o italiano Giovanni Schiaparelli chamou uma região de
Eden e outra de Elysium. Mais tarde, em outro mapa, batizou mais duas regiões
de Arcadia e Utopia.
O
italiano obviamente buscava uma alternativa idealizada para a realidade à sua
volta, com mais nostalgia do que rigor científico, mas inaugurou uma onda de
teorias mais ou menos fantasiosas de outros astrônomos, que viram em Marte
oceanos, continentes, montanhas de gelo, florestas, rios e canais. Os supostos
canais, principalmente, reforçavam a fantasia mais atraente de todas. Segundo
muitos, eles formavam um sistema de irrigação tão complexo que só poderia ser o
trabalho de uma raça de rara inteligência.
Com
a sofisticação dos instrumentos de exploração sideral, as teses e fantasias
foram perdendo, aos poucos, seu fascínio. O que os atuais laboratórios
teleguiados colocados na superfície de Marte mandam dizer é que o planeta é apenas
um imenso deserto.
Pode
ter tido água e vida no passado, mas – pelo menos pelo que se viu até agora – não
tem mais. Entre a projeção romântica feita por Schiaparelli e a evidência das últimas
imagens da aridez vermelha, sem um oásis ou uma carrocinha da Kibon à vista,
está a história de uma decepção.
De
certa forma, parecida com a decepção que a realidade do Novo Mundo causou
naqueles que, como Rousseau e outros, viram nos selvagens recém descobertos uma
redescoberta da inocência original do homem, num Éden antes da queda. Como no
caso de Schiaparelli, uma ilusão desculpável, porque baseada numa visão de
muito longe.
Entre
outras visões da era dos telescópios primitivos, está a dos que liam a palavra “Shajdai”
, um dos nomes de Deus em hebraico, escrita na superfície de Marte. Um
jornalista da época citado na revista The New Yorker, de onde eu tirei tudo
isto, achou improvável que mesmo uma raça superior tivesse traçado canais para
formar o nome do Senhor, mas observou: “Existem feitos aqui na Terra que também
nos parecem impossíveis”.
Isto
que ele nem sonhava que um dia haveria um mecanismo terrestre escavando o chão de
Marte. Agora, sobre a presença de devotos hebreus no planeta vermelho, ninguém
especulou. Com a sofisticação dos instrumentos, as teses foram perdendo o fascínio.
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