06
de maio de 2013 | N° 17424
LUIZ
ANTONIO DE ASSIS BRASIL
Tia Célia
Há pessoas
que passam pela vida sem deixar rastro. Nada constroem de visível e têm horror à
notoriedade. Surpreendem-nos ao morrer, porque já as julgávamos mortas. No
entanto, podem ser dotadas de grande espírito, mas que permanece recolhido em
sua intimidade mais exclusiva. Esta é a trajetória dos anacoretas, das monjas,
daqueles seres que não querem ir além daquilo que lhe foi dado.
A
literatura está cheia de personagens que se anulam, sendo exemplos Félicité, de
Um Coração Simples, de Flaubert, ou a prima Biela, de Uma Vida em Segredo, de
Autran Dourado. Sucede que, em ambos os casos, essas personagens, na sua anulação
voluntária, acabam por revolver as emoções de uma casa inteira. São pessoas que
querem anular-se como forma de mostrar que existem e, assim, inconformar-se com
o destino.
Uma
terceira forma de atitude é vista naquelas pessoas cujo pequeno mundo é suficiente
para comportar a humanidade inteira. Seu bem é resultado do bem alheio. As vitórias
dos outros são suas vitórias. Quase nada precisam para si mesmas. Vivem do bem
que realizam. Em seu rosto, há um sorriso receptivo, acolhedor. Tal como no
mundo físico, seu universo está em contínua expansão.
Tia
Célia pertencia a esse último grupo. Era uma senhora ágil, alinhada,
onipresente, brilhante. A idade só aumentava sua prestativa agitação interior.
Tinha
tempo para todos e para si mesma. Telefonava ou mandava recados dos mais
inesperados lugares. Lia todos os livros, e os livros dos sobrinhos eram os
mais comentados. Um de seus hábitos mais expressivos e caracterizadores era,
tal como fazem os russos, o de tratar a todos no diminutivo, como resultado de
anos de prática da generosidade. Isso a obrigava a operações linguísticas
complicadas, mas acabava por criar neologismos perfeitamente exatos e fascinantes.
Os
eventos sociais e culturais, ia a todos. Se agora, nos mais de 90 anos, a doença
castigava, sempre alguém telefonava ou ia em seu nome.
Todos
a julgavam eterna. Ela precisava ser eterna, para que seguíssemos a acreditar
no ser humano. Sua partida nos chocou.
Logo
nos demos conta, porém, que ela segue vivendo em suas ações e no sorriso dos
outros quando se lembram dela.
Isso
basta, isso justifica uma vida.
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