segunda-feira, 25 de julho de 2016


25 de julho de 2016 | N° 18590 
L. F. VERISSIMO

O futuro no passado


Poucas previsões para o futuro feitas no passado se realizaram. O mundo se mudava do campo para as cidades e era natural que o futuro idealizado então fosse o da cidade perfeita. Mas o helicóptero não substituiu o automóvel particular e só recentemente começou-se a experimentar com carros que andam sobre faixas magnéticas nas ruas, liberando seus ocupantes para a leitura, o sono ou o amor no banco de trás. As cidades não se transformaram em laboratórios de convívio civilizado, como previam, e sim na maior prova da impossibilidade da coexistência de desiguais.

A ciência trouxe avanços espetaculares nas lides de guerra, como os bombardeios com precisão cirúrgica que não poupam civis, mas não trouxe a democratização da prosperidade antevista. Mágicas novas como o cinema prometiam ultrapassar os limites da imaginação. Ultrapassaram, mas para o território da banalidade espetaculosa. A TV foi prevista e a energia nuclear intuída, mas a revolução da informática não foi nem sonhada. 

As revoluções na medicina foram notáveis, certo, mas a prevenção do câncer ainda não foi descoberta. Pensando bem, nem a do resfriado. A comida em pílulas não veio – se bem que a “nouvelle cuisine” chegou perto. Até a colonização do espaço, como previam os roteiristas do Flash Gordon, está atrasada. Mal chegamos a Marte, só para descobrir que é um imenso terreno baldio. E os profetas da felicidade universal não contavam com uma coisa: o lixo produzido pela sua visão. Nenhuma previsão incluía a poluição e o aquecimento global.

Mas, assim como os videntes otimistas falharam, talvez o pessimismo de hoje divirta nossos bisnetos. Eles certamente falarão da aids, por exemplo, como nós hoje falamos da gripe espanhola. A ciência e a técnica ainda nos surpreenderão. Estamos na pré-história da energia magnética e por fusão nuclear fria.

É verdade que cada salto da ciência corresponderá a um passo atrás, rumo ao irracional. Quanto mais perto a ciência chegar das últimas revelações do universo, mais as pessoas procurarão respostas no misticismo e refúgio no tribal. E quanto mais a ciência avança por caminhos nunca antes sonhados, mais leigo fica o leigo. A volta ao irracional é a birra do leigo.

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