14 de julho de 2016 | N° 18581
LUCIANO ALABARSE
SALVÍFICA
Com um fiapo de história, Javier Marías escreveu mais um livro admirável: Os enamoramentos. Lá pelas tantas, deparei com uma palavra que nunca havia escutado em português, “salvífica”, o que me fez buscar meu Caldas Aulete, velho dicionário da vida inteira, que não troco por nenhum outro. Constatei que não existe ali tal vocábulo. Alguém sabe o que significa essa palavra?
Outro substantivo, páginas adiante, mostrou o quanto não domino nossa língua: “ordálio”. Essa achei. Está lá: “Provação extrema, calvário; juízo de Deus”. Mal posso esperar para usá-la aqui. Difícil não será. É só começar a falar sobre o Brasil, tipo: “Delação premiada que deixa delatores cumprirem pena em casas hollywoodianas é um escárnio, ordálio a desafiar o bom senso”.
Tenho um prazer enorme em consultar o dicionário. Os cinco volumes do meu estão em lamentável estado de decomposição, após 50 anos de consultas constantes. Não cogito substituí-los. Minha gratidão por eles, ilimitada, me impede sequer de imaginar que não estará comigo pelo resto dos meus dias.
Num mundo cada vez mais impermanente, ter uma certeza dessas, de permanência indiscutível, é uma bênção. Seres humanos precisam mudar tantas vezes quantas necessárias, como corresponde a quem está vivo. Mas conservar premissas básicas de caráter é fundamental. Um dicionário caindo aos pedaços me prova de que é possível esbarrar em pessoas e objetos que serão eternos enquanto a vida dure.
Depois de Os enamoramentos, li Pureza, do Jonathan Franzen. Hipnótico. Eletrizante. Cirúrgico. Julian Assange, WikiLeaks, hackers, Bolívia, Estados Unidos: tudo misturado. Não consegui parar antes do ponto final.
Semana que vem, dia 21, somente por duas semanas, O lugar escuro voltará ao palco do Instituto Goethe. Presente à reestreia, a autora Heloisa Seixas conversará com a plateia sobre o mal de Alzheimer e seu cotidiano devastador. Tivemos excelente acolhida em nossa primeira temporada. E queremos fazer bonito de novo.
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