sábado, 23 de julho de 2016



23 de julho de 2016 | N° 18589 
CARPINEJAR

Cadê a coxinha?

Passei na lancheria da escola para matar a saudade dos pecados de infância. Iria pedir um enroladinho. Já salivava ao imaginar a mordida na massinha. Aproveitaria os minutos antes de minha palestra em colégio na Capital para engordar e ressuscitar os sabores da meninice.

O barzinho parecia idêntico ao de minha época de estudante, com jeitão de trailer e a tampa da janela levantada. Mas não tinha enroladinho, este irmão menor do cachorro-quente.

O tio – todos os atendentes sempre serão tios para mim, não importa a minha idade – demorou a entender o que era enroladinho. Procurando me contentar, ofereceu um hossomaki. Juro que a minha audição tossiu de volta as palavras. Não esperava Tóquio em Porto Alegre, tanto que conferi o logotipo dos uniformes ao redor para me certificar de que não se tratava de um pesadelo.

– O quê?  – Sim, é o que mais sai no recreio – ele explicou. – Tá brincando, né?

– Não, os alunos têm preferência pelos rolinhos finos, quer experimentar? Ainda oferecemos temaki, kappamaki, tekkamaki e uramaki.

Não desejava comida japonesa às 10h da manhã. Qual o destino dos lanches perigosos e gordurosos das escolas? O que aconteceu com o rissoles? Onde foi parar o folhado? Cadê a irresistível coxinha?

Suava frio com o excesso de saúde na infância. Os dedos ágeis e aflitos no guardanapo terminaram trocados por pauzinhos? A mostarda e o catchup perderam sua realeza para o shoyu e o wasabi?

Ninguém mais mastigava pastelina com guaraná? Agora era suco verde e tapioca?

Que medo dessas turmas nutri, que desconhecem o poderio doce das balas Xaxá e 7 Belo. Será que os alunos pedem bolo integral de banana em vez de nega maluca?

Que receio dessa geração fitness que não experimenta o proibido, que come no lanche o mesmo que come no almoço e na janta e que não separa o mundo doméstico da casa do selvagem universo escolar.

Só o que faltava não mentir aos pais. Para a família, eu não relatava os feitos gastronômicos. Preservava a privacidade da gula. Fingia que adorava a merenda, um sanduíche insosso de ricota, e devorava um largo e maravilhoso pastel de carne, com o caroço do ovo saltando na pele dourada.

Amadureci porque sempre cultivei os meus segredos.

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