05 de julho de 2016 | N° 18573
PAULO GERMANO
O cavalheiro
Sempre fui um cavalheiro, doutor. Nunca deixei de abrir uma porta para uma mulher, nunca permiti que elas pagassem a conta, não posso ver mulher carregando peso nem fazendo esforço – é um cacoete, é automático, sempre me orgulhei disso. Só que a minha nova namorada, doutor, ela odeia essas coisas. Ela fica furiosa, o senhor precisa ver.
Ontem mesmo, a gente saía da Redenção, na Osvaldo Aranha, e eu pedi licença para caminhar do lado de fora da calçada. Sempre aprendi que o lado de fora é o lugar do homem, porque, se um caminhão passa e joga água no casal, é o homem que protege os dois, e, se um carro desgovernado invade a calçada, é o homem que é atropelado. Mas ela disse – e isso me fez mal –, ela disse que isso é machismo.
Falei que eram só gentilezas, nada de machismo, e ela insistiu que ser gentil apenas com mulheres é uma forma de preconceito. Mas que chatice, doutor! Perguntou se eu ajudaria um homem com dificuldade para carregar uma mala pesada, ou se eu pagaria a conta de um amigo. Claro que é diferente, falei que as mulheres são, e todo mundo sabe que são, um pouco mais fracas. Quase levei um soco na cara! Ela se enfureceu comigo, doutor!
Falou que o cavalheirismo é machista por partir dessa premissa de que a mulher é mais fraca fisicamente, economicamente ou emocionalmente. E que só uma sociedade patriarcal – ela usa muito essa palavra – que legitima a inferioridade e a subordinação das mulheres poderia aplaudir esse tipo de conduta.
Quer dizer, veja só: um cara como eu, segundo ela, considera tão grande a fragilidade das mulheres, que os homens precisariam protegê-las até nas coisas mais triviais, como abrir uma porta. E aí, doutor, achei que ela me ofendeu quando disse assim: “Um homem obcecado por proteger uma mulher não a enxerga com igualdade, mas como alguém inferior”. Meu Deus do céu, doutor! Eu adoro as mulheres! Eu realmente acho as mulheres mais profundas, mais sensíveis, mais inteligentes do que os homens!
Poucas coisas me satisfazem tanto quanto abrir a porta para uma mulher, velhinha ou novinha, e sempre encarei esse gesto como um ato de reverência, não de dominação. Mas será que é machismo, doutor? Porque, de fato, hoje as mulheres trabalham, têm plenas condições de dividir a conta. A questão é que, por algum motivo, sinto-me mais homem pagando tudo sozinho, sabe? Isso quer dizer que também sou vítima da sociedade machista?
O que eu faço, doutor? Devo só começar a dividir as contas, ou também devo parar de abrir as portas e de andar do lado de fora da calçada? Não sei mais o que faz um homem, doutor, me ajude!
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