sexta-feira, 29 de julho de 2016


29 de julho de 2016 | N° 18594 
CLÁUDIA LAITANO

Claque


Se as eleições americanas fossem um seriado de TV, estaríamos contemplando a real possibilidade de o nosso personagem favorito estar sendo substituído, na próxima temporada, por um bufão. Como se Don Draper fosse eliminado da trama de Mad Men, e Chaves – o mexicano, no caso – entrasse em cena no inverossímil papel de galã.

Na política, como na vida, há que se distinguir “a pele e a camisa”, ensinava o filósofo Michel de Montaigne (1533-1592). A vida é um teatro, e somos todos, em maior ou menor medida, atores interpretando os papéis que nos cabem: em casa, no trabalho (e agora também nas redes sociais). Admitindo isso, Montaigne não pretendia fazer o elogio da hipocrisia, mas, sim, lembrar que existe uma distância necessária entre a essência de um homem e sua persona pública – lição que ele aprendeu, na prática, sendo prefeito (“O prefeito e Montaigne foram sempre dois, separados muito claramente”, escreveu). 

Mesmo admitindo que o carisma de Barack Obama como orador e sua persona pública não sejam necessariamente equivalentes ao seu desempenho como estadista ou ao seu comportamento na intimidade, é preciso reconhecer que poucos políticos da era moderna se mostraram tão elegantes, razoáveis e conectados com o espírito da época.

Em meio ao cinismo e à chamada “crise de representatividade”, Barack e Michelle Obama conseguiram levar à Casa Branca um modelo de vida pública digna e inspiradora. Para quem, como eu, tem quase a idade deles, era como se a nossa geração tivesse sido, enfim, convocada a dizer a que veio – deixando um legado que mesmo uma sucessora como Hillary Clinton, uma legítima representante da geração anterior, não teria como ignorar. 

Mas então Donald Trump entrou em cena, e o embate subitamente deixou de ser entre velhas e novas formas de fazer política, mas entre o aceitável (um candidato conservador sério, por exemplo) e o grotesco – um homem menor que o cargo que está disputando em todas as métricas possíveis.

No Brasil, somos tão cínicos em relação à classe política, que qualquer elogio a algum representante da categoria soa como confissão de ingenuidade. Não me surpreende, portanto, que muita gente desconfie da influência positiva que Barack Obama possa ter exercido para além do seu entorno. O que me espanta é descobrir que brotou por aqui uma entusiasmada (e irada) claque de “neotrumpistas”. Gente que não apenas se identifica com seu discurso rancoroso, xenófobo e obtuso como chega ao extremo de enquadrar Hillary Clinton como uma candidata “de esquerda”.

Seria até engraçado, se não fosse assustador.

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