06 de julho de 2016 | N° 18574
MARTHA MEDEIROS
Amor orgânico
Ontem à noite, participei de um encontro promovido pela The School of Life, no Rio, onde debati com o cineasta João Jardim sobre o amor nos dias atuais. Não posso dizer se nos saímos bem, pois ontem à noite esta coluna já havia sido enviada para o jornal, ou não estaria sendo publicada na edição de hoje, mas o assunto andou ocupando minha mente nas últimas semanas, e o que andei pensando compartilho aqui.
As coisas mudaram, como se sabe. O formato “feliz para sempre” não é mais um campeão de audiência, primeiro porque o “para sempre” tornou-se longevo demais para quem elegeu um grande amor já na segunda década de vida e também porque todo comprometimento com a eternidade cai na idealização, e idealizar é sofrer.
Óbvio que é possível ter uma relação amorosa que resista por décadas – muitos têm – mas duração não consta mais da lista de quesitos obrigatórios. E essa é uma das tantas libertações que estão devolvendo o amor à categoria dos prazeres da vida, e não das convenções.
Se antes existia apenas um único padrão de relacionamento (casamento + filhos (+ amante) + a morte que os separe), hoje cada pessoa cria o próprio padrão e está tudo certo. Já não existe amor errado, amor proibido, amor inadequado, amor frívolo, amor condenável. Ele voltou a ser um assunto íntimo e particular, e não uma satisfação à sociedade.
Um amor colorido artificialmente, com sabor industrializado, durando à base de conservantes: não. Um amor que é uma mentira a serviço da nossa imagem: não. Um amor que serve de esconderijo para nossas carências: não. Esse romantismo só existe como farsa e hoje queremos fugir de qualquer hipocrisia.
Quanto mais percebemos a teatralidade das relações políticas, quanto mais somos abusados por impostos altos, pela burocracia e pelas limitações econômicas que impedem nossa realização pessoal, mais necessário se torna que ao menos no amor sejamos livres. Em algum setor da nossa vida, a verdade tem que ser plena.
Quanto mais percebemos a teatralidade das relações políticas, quanto mais somos abusados por impostos altos, pela burocracia e pelas limitações econômicas que impedem nossa realização pessoal, mais necessário se torna que ao menos no amor sejamos livres. Em algum setor da nossa vida, a verdade tem que ser plena.
Não somos obrigados a amar. O amor é uma sorte, não uma missão. É natural que ele aconteça, já que somos bilhões cruzando olhares diariamente, mas a qualidade e o arranjo das relações dependem de um desejo que se manifeste à vontade, e não sob a tutela de um código moral e social. Podemos ter vários ensaios de amor sem que nos sintamos diminuídos pelo fato de não termos vivido um arrasa-quarteirão com muitos anos em cartaz e sucesso de bilheteria. Nunca a plateia interessou tão pouco.
Devo estar sendo otimista, mas creio que finalmente o amor está retomando o lugar que o casamento havia lhe tomado.
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