sábado, 9 de julho de 2016



09 de julho de 2016 | N° 18577 
DIANA CORSO

ROMANTISMO PARENTAL

Estava com minha filha caçula em um café, havíamos roubado esse encontro do meio da manhã de um dia de trabalho. Nessa ocasião, comentei do preço alto do cafezinho e aquele toquinho de gente me saiu com essa: “Não é pelo café que a gente paga, mãe, é pelo ambiente!”. Ela tinha entendido que o sabor do alimento vem junto com um cenário, pelo qual pagamos um certo valor. A partir daí, o “preço do ambiente” virou uma espécie de deixa entre nós.

O ambiente era a decoração do café, mas acima disso a simpatia da dona, que conhecia os gostos de cada cliente e nos acolhia regularmente. Com base nesses momentos, passei a acreditar que pode haver entre pais e filhos uma espécie de romantismo. Ele é diferente do convencional, que é erótico e dado a organizar-nos em pares, mas guarda algumas de suas características.

Os amantes são atentos ao ambiente dos encontros: procuram cenários idílicos, espaços que favoreçam um clima intimista. Cada detalhe tenta afastar o fantasma do desentendimento. Às vezes, mesmo assim, o ruído interno estraga a música, uma palavra ou um gesto mal colocados põem tudo a perder. Como amamo-nos muito mais quando somos amados, persistimos. Apostamos alto nessa expectativa que, quando bem sucedida, parece ser coroada pelo sexo.

Quanto aos filhos, mesmo sendo tão nossos, nem sempre sabemos chegar perto deles. Com as melhores intenções, pensamos em diverti-los, ocupá-los e até cansá-los. As conversas são cheias de propósitos: corrigir seus erros e dar lições de moral, mesmo que disfarçadas. Isso sem contar o caráter detetivesco das investidas parentais: tudo pode ser uma pista do que eles estão fazendo longe dos nossos olhos. A intenção de estimular, educar e manter-se conectado com a vida deles é das melhores e, sem dúvida, um trio imprescindível. Porém, quando amamos alguém, temos de estar dispostos à intimidade, e isso vale também para pais e filhos. É aí que entra o romantismo.

Não é fácil entender essa gente que, mesmo tendo surgido dentro do nosso ventre, mesmo tendo sido parida por nossos sonhos, parece tão inapreensível. Também tenho sido persistente, tomei litros de café com minhas pequenas, andávamos a pé pelo bairro dando apelidos a cachorros, imaginando histórias para os desconhecidos, conversando fiado. Até hoje fazemos isso. Acredito que é preciso marcar encontros, onde o programa seja só os dois, do romantismo clássico persiste o pareamento. A sós com cada filho, cada um dos pais acaba criando rotinas, expressões e um anedotário que são específicos da dupla.

Hoje essa possibilidade costuma estar muito mais ao alcance dos pais separados. Principalmente naquele período inicial, em que o pai e a mãe ainda estão vivendo sós, antes de encontrarem novo amor. Para os filhos, esse costuma ser um idílio inesquecível, embora os adultos, sofridos pela ruptura, raramente enxerguem esse consolo. Os pais se ajeitam, voltam a amar, a casar-se, e esse ganho na qualidade do convívio costuma acabar. O rearranjo do coração dos pais permite a volta à normalidade: uma maratona coletiva que lembra as excursões, onde o sobe e desce do ônibus não permite entrar na paisagem. O deslocamento das famílias em busca do entretenimento acaba sendo protagonista do evento, ao invés do vínculo.

Encontros verdadeiros são difíceis e reveladores, enquanto a distância favorece a idealização. Os filhos podem estar bem, mas nunca serão da maneira exata como os imaginamos. Agitados, ocupados, mesmo quando estamos fazendo com eles coisas instigantes, deixamos de vê-los para poder imaginá-los perfeitos. É isso o que costuma estragar a maior parte dos amores: apaixonamo-nos pela nossa fantasia e afastamo-nos da pessoa real que nunca é sua encarnação. Não é diferente no amor entre pais e filhos, de longe todos somos muito melhores. Encontros verdadeiros são raros, estar juntos não garante nada, mas sempre podemos tentar: convide seu filho para um cafezinho.

O DESAFIO DA EMPATIA

O grande, o imenso, o tremendo, o desastroso mal do século, na minha opinião, é a falta de empatia. Para quem não sabe: empatia, substantivo feminino; habilidade de imaginar-se no lugar de outra pessoa; compreensão dos sentimentos, desejos, ideias e ações de outro. Só isso já é mais do que suficiente para eu dizer que a empatia, para mim, é muito mais do que um substantivo. É puro adjetivo.

Empatia é a capacidade, quase extinta, do ser humano colocar-se no lugar do outro e parar antes de render-se ao impulso de falar ou de fazer algo que machuque, magoe ou coloque deliberadamente o outro em uma posição dolorosa ou humilhante.

É a falta de empatia que impede que o motorista do carro dê lugar ao outro que está dando pisca. É a falta de empatia que permite que o colega mais forte pegue o lanche do mais fraco. É a falta de empatia que sustenta o conselho “se ele te bateu, bate de volta”. É a falta de empatia que concede a possibilidade de alguém dar um “furo” na fila, seja do cinema ou do caixa, para amigos, sem pensar no restante que está atrás. É a falta de empatia que consente que um cargo seja ocupado pelo mais amigo em vez do mais competente. É a falta de empatia que consente que se xingue o professor pela frustração em relação aos filhos. É a falta de empatia que provoca muitos dos roubos, dos sequestros, dos assassinatos.

Ter empatia é difícil. Ainda mais em um mundo que nos exige produtividade e excelência full time. Ter empatia dá trabalho. Faz com que saiamos da confortável posição de exclusividade e enxerguemos o outro. Aliás, mais do que ver o outro, exige que nos coloquemos em seu lugar. Que abandonemos o “egocentrismo infantil de estimação” e olhemos em torno. E olhar em torno causa vertigem. Olhar em torno provoca medo e angústia. Olhar em torno faz com que percebamos que há menos e que há mais do que nós. Olhar em torno faz com que percebamos que há. Há muito. Há muitos.

Mas ter empatia é aprendizado! Ninguém nasce empático. Nos tornamos – ou não. Empatia se ensina, se exercita, se treina. E é imensamente mais fácil quando se é criança. E é ainda mais fácil quando se é pai ou mãe. Mas ser empático com os próprios filhos não é mérito algum. Se os filhos nada mais são do que extensão de nós mesmos, estaremos apenas nos cuidando e nos beneficiando.

De seres humanos narcisistas, conectados a tudo e desconectados do outro, já temos um grande contingente. O que precisamos agora é de altruísmo. E quando nos tornamos pais, ganhamos a oportunidade de aprendermos a ser empáticos – se ainda não somos. E a oportunidade de criarmos crianças empáticas – um verdadeiro presente para o mundo. Aproveitemos essa vantagem!

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