11 de julho de 2016 | N° 18578
PAULO GERMANO
A mulher da vida dele
Ele a viu quando ela atravessava a Salgado Filho, na esquina com a Doutor Flores, e então começou a observar seus passos. Ela negou esmola a uma velhinha, depois cruzou o canteiro central e se postou na parada de ônibus, entre ele e o painel de propaganda onde um homem sorria com seu cartão de crédito.
Tinha uns 28 anos. E tinha um caminhar elegante, o cabelo loiro preso em rabo de cavalo. Outros caras também a olhavam, e aquilo o incomodou. Primeiro, tentou adivinhar o que ela pensava sobre a cena – todos zanzando pela parada sem muito cuidado em ser sutis, alguns examinando a imagem dela refletida no vidro do painel de propaganda. Ele notou que os homens, em meio aos olhares, surpreendiam uns aos outros e trocavam um sorrisinho idiota.
Jamais aquela mulher olharia para ele. Claro, como uma mulher poderia olhar para o lado com um bando de urubus esfomeados na volta? Sentiu vontade de dizer que não era como os outros, que era solidário ao desconforto que as mulheres sentem, que sabia o quanto elas têm exigido respeito na rua e que, embora também a olhasse, seu desejo por conhecê-la era realmente genuíno. Que papo horrível – certamente ela o mandaria pastar.
Quando o ônibus chegou, ele decidiu segui-la, ainda que fosse melhor tomar outra linha para depois caminhar menos. Manteve-se alguns passos atrás dela, então a viu sentar-se no banco mais próximo à saída, os joelhos bem juntos, as mãos graciosamente pousadas no colo, os olhos verdes mirando a rua. Alguma coisa além da beleza o atraía naquela mulher – era como uma necessidade de dizer “olhe aqui, por favor, não sou como os outros, não vou lhe fazer mal, preciso da sua atenção por cinco minutos”.
O ônibus começou a andar rumo à Borges de Medeiros, as paredes da rua passando rápido, uma senhora gorda com uma sacola da Marisa balançando sem parar, os homens espiando a bela garota por cima dos celulares. Se ao menos acontecesse alguma coisa, se o ônibus batesse no meio-fio, se entrasse alguém engraçado vendendo rapadura, se a senhora gorda caísse do banco, aí haveria algum pretexto para falar com ela, sentada a um metro e meio de distância.
Mas o ônibus seguiu normalmente, como sempre ocorre quando a gente não quer. E parou no Viaduto Otávio Rocha.
Depois na Ponte dos Açores.
Depois no Tribunal de Justiça, e então a moça se levantou, apertou a campainha, agarrou por um instante uma das barras de apoio e se foi. Desapareceu enquanto o ônibus prosseguia, como outras mulheres da sua vida que ele ainda observa em Porto Alegre, com as quais nunca falou e que provavelmente nunca mais verá.
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