28 de julho de 2016 | N° 18593
DAVID COIMBRA
Comida da mãe
De repente, multiplicaram-se os programas de culinária na televisão. O que me faz pensar que a melhor comida do mundo ainda é e sempre será a comida da mãe. Nenhum parisiense três estrelas do Guia Michelin supera o feijãozinho que você devorava com sofreguidão depois de chegar esbaforido do colégio. Porque é na infância que se molda o caráter e adquirem-se os gostos.
É por isso que, estando fora do Brasil, espicaça-me a nostalgia da comida brasileira.
Entenda: os americanos gostam de comer, e os produtos, nos Estados Unidos, são de alta qualidade. A carne é macia como beijo de irmã. O filé de quatro dedos de altura é tão tenro, que pode ser cortado com a colherinha do café. Há, nas prateleiras dos supermercados, alimentos das partes mais esconsas do mundo. Dia desses, encontrei cana-de-açúcar no Whole Foods. Lembrei de quando era guri e do Benito de Paula cantando que queria ver um cara sentar numa praça assobiando e chupando cana, e comprei. Meu filho nunca tinha visto cana ao vivo. Ficou impressionado.
Então, como dizia, eles têm de tudo e do melhor. Mas não têm a malícia do tempero brasileiro. A comida brasileira tem o sabor da colocadinha do Romário, da negaça do Garrincha, da enganchada do Rivellino e das pernas douradas da morena do Leblon. É uma comida que se come rindo.
Por que isso? Por causa da mãe brasileira.
Vou abrir um parêntese a respeito dessa expressão: (havia uma época em que, se você queria insultar alguém, dizia: “Mas tu é uma mãe brasileira, mesmo!”. Por que a gente dizia isso? Não faço ideia. Alguém me diga, por favor).
Fechado o parêntese, ressalto que a mãe brasileira da classe média do passado recente, aquela que aparece nos gibis da Mônica e do Cebolinha, a mãe dona de casa, de chinelo na mão e avental todo sujo de ovo, a mãe antiga e que está quase tão extinta quanto o pássaro dodô, aquela mãe foi a inventora da comida brasileira.
Não é pouca coisa. É um dos traços mais importantes da personalidade nacional. Pegue prato clássico do almoço do brasileiro: arroz branco soltinho, contrastando com o feijão preto temperado com linguiça de porco e costelinha; bife dourado no ponto, com um centímetro e meio de altura, não mais; batata frita do tamanho do dedo mindinho da Gisele Bündchen; salada de tomate gaúcho fatiado, cebola escaldada e alface besuntada de azeite, vinagre e sal; tudo isso encimado por um ou dois ovos fritos com a gema mole, a clara dura e as bordas levemente tostadas, esse prato, o prato feito, vulgo PF, ou à la minuta, como queira, esse prato é uma das delícias da culinária internacional em todos os tempos, Amém. Não me venha com suflês! Não me venha com cozinha minimalista! Eu quero um PF!
Pois essa refeição tão saborosa quanto nutritiva é um dos elementos de união do povo brasileiro, tanto quanto a língua portuguesa e o Jornal Nacional. Essa refeição nos faz ser quem somos.
É por isso que há tantos programas de culinária na televisão. Porque as pessoas sentem falta da infância e das mães daquele tempo que velhos poetas chamavam d’antanho. O que me leva a fazer um apelo às mulheres de hoje: aprendam a cozinhar, meninas. Não deixem essa arte morrer. Para que, no futuro, baste uma dentada num pastel vulgar para extrair uma lágrima dos olhos de seus filhos, uma lágrima de saudade daquela mãe amorosa, de um tempo que não existe mais.
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